Jacques Delors, ex-ministro francês que trabalhou ativamente para a construção da União Europeia, coordenou nos anos 1990 a elaboração do relatório da Unesco chamado “Educação, um Tesouro a Descobrir”, em que se definiam quatro pilares da educação para o século 21.
Havia uma forte preocupação em evitar a repetição de problemas que marcaram o século que findava, como as duas guerras mundiais, os nacionalismos xenófobos ou os governos autocráticos de diferentes matizes. E Delors acreditava que uma educação diferente poderia evitá-los.
Os pilares definiam as aprendizagens necessárias para que o mundo trilhasse um caminho de paz e prosperidade: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a viver juntos.
Os dois primeiros dizem respeito tanto a saberes de diferentes áreas e a ferramentas para aprender ao longo da vida quanto à preparação para uma futura aplicação dos conceitos aprendidos em situação de trabalho ou interações sociais.
Mas quero me deter aqui um pouco nos dois outros pilares: aprender a ser e aprender a viver juntos.
Aprender a ser significa estar informado e confortável com sua ou suas identidades, o que envolve nacionalidade, cultura, visões de mundo e outros elementos identitários. Viver juntos constitui-se em aprendizado ligado ao respeito e tolerância frente às outras identidades ou pertinências grupais.
Os dois pilares são importantes para aprender história sem ódio, construir cidadania global, no sentido de saber que partilhamos com habitantes de outros países a mesma condição humana, e desenvolver empatia, que é a capacidade de se colocar no lugar do outro —competência central para uma vida pacífica em sociedade.
Leia mais de Claudia Costin
Boatos e eleições, credulidade e viés de confirmação
Uma casa dividida não se sustenta
O mundo só faz piorar?
Delors tinha em mente, quando falou desses dois pilares, o que se passou na Europa desde as guerras franco-prussianas de 1871, e, em especial, como a identidade nacional dos franceses e dos alemães foi constituída uma em oposição à outra.
No fim, isso era ensinado nas escolas fazendo com que o orgulho da identidade se tornasse ódio “aprendido” ao outro.
O antídoto para um nacionalismo excludente e preconceituoso é aprender a viver juntos. E, quando combinados, os dois pilares permitem que se possa pensar na formação de jovens com identidades sólidas, maduras e não temerosas do que se lhes opõe.
Uma nova geração preparada para os desafios que a volatilidade e a incerteza próprias de nosso século nos apresentam.
Nos dias de hoje, os alertas do relatório Delors, feitos com base na história de um século que se encerrava, mostram-se decisivos para constituir uma educação que possa construir a paz e destruir o medo.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 12/10/2018