A mulher terá cada vez mais um papel fundamental nas práticas de ONGs, fundações e movimentos sociais
Das várias organizações associadas ao grupo de institutos, fundações e empresas, 51% contam com mulheres em posições de liderança. É o que indica pesquisa feita pelo Grupo de Institutos Fundações e Empresas (Gife). Apesar desse índice, acredito que as mulheres precisam divulgar mais o seu trabalho e ter mais consciência de seu potencial.
Na minha experiência de líder e empresária, envolvida com o 3.º setor há seis anos no Brasil, sei que entre as exigências para uma excelente gestão de ONGs, fundações e movimentos sociais, além da excelente qualificação técnica, está o famoso QE, o quociente emocional. Boa formação profissional e intelectual, visão, ética e proatividade são características fundamentais para ser um bom líder. Mas, para liderar no 3.º setor, é fundamental ter ainda um conjunto de habilidades emocionais, como autocontrole, empatia, autoestima, autoconfiança, afabilidade, automotivação e resiliência. Esses traços pessoais ajudam no desempenho individual e facilitam os relacionamentos interpessoais. Em outras palavras, o QE se refere à capacidade de perceber, controlar, avaliar e expressar emoções. O 3.º setor demanda profissionais sensíveis que, em muitos casos, são mulheres que ouvem e entendem o receptor. E que conseguem mesclar as demandas internas com as diretrizes do conselho (grupo de dirigentes).
O 3.º setor é um business e, como todos os outros, tem objetivos, preocupação com indicadores e orçamentos, busca por boa performance e resultados. Nele também deve haver orientação estratégica, visão de futuro a ser conquistada de forma consistente e responsabilidade pelos resultados, sempre com transparência e ética. Em suma, o CEO de uma ONG deve combinar a habilidade necessária aos negócios, a capacidade de gerenciar e empreender com algo que faça uma diferença social maior. E é essa vontade de mudança que vem atraindo mulheres para o 3.º setor. A adaptação a esse mercado é rápida, pois ele é imensamente gratificante. Difícil é o salário baixo. Fácil é realmente pôr nossas habilidades em prática, e elas são incrivelmente úteis. Difícil é ter de aprender as dinâmicas do setor e lidar com o constante malabarismo de fazer “mais com menos”, pois recursos são sempre escassos.
A mulher terá cada vez mais papel fundamental nas práticas do 3.º setor. Além de se preocupar com cuidar das pessoas, muitas mulheres têm sensibilidade, poder de articulação e capacidade técnica, administrativa e financeira. E as lideranças femininas devem exercitar cada vez mais seu poder de diálogo, praticar o trabalho em equipe e utilizar sua sensibilidade – não se deve copiar o modelo masculinizante de poder, que é mais vertical.
Seguindo essa linha, o primeiro papel das ONGs é se tornarem centros de inovação e criatividade, reunindo sugestões para solucionar problemas complexos. Ao contrário dos governos, as ONGs são menos burocráticas e mais flexíveis. Diferentemente das empresas privadas, têm menos medo dos riscos financeiros e são mais propensas a experimentar. Além disso, têm mais jovens nas suas equipes, o que permite um diálogo mais fácil com a inovação e o espírito de mudança. E, por fim, outro papel fundamental é o de aproximar as instituições de ensino, pesquisa e inovação tecnológica do mundo real. Elas tendem a se distanciar da realidade e se isolar de forma autocentrada, contribuindo, assim, menos do que poderiam, em razão do seu elevado nível de qualificação acadêmica e técnica.
ONGs têm mais facilidade de denunciar os problemas e incomodar os tomadores de decisão, tanto nos governos quanto nas empresas. A maior liberdade, jovialidade e inquietude das ONGs as tornam o ambiente rico para lideranças femininas.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 16/05/2017
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