O resultado líquido do Sistema Financeiro Nacional (SFN) está caindo. Foi de R$ 44 bilhões no primeiro semestre deste ano, inferior aos R$ 45 bilhões do anterior e menor do que os R$ 50 bilhões de dois anos atrás. O lucro encolheu, assim como o número de instituições financeiras diminuiu, a quantidade de agências bancárias declinou e os saldos de concessões e de total de crédito diminuíram.
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Mesmo operando abaixo da metade de sua capacidade plena, o sistema está em marcha ré e com uma contribuição social negativa. Dois em cada cinco cidadãos e mais da metade das empresas têm anotações de atraso. É um perde-perde para o país e para os acionistas dos bancos. Feita a ressalva de que há exceções, como os segmentos das Fintechs e do crédito consignado e algumas instituições que estão melhorando, mas, à custa de perdas para os demais.
Há dez anos, o lucro dos bancos correspondia a 2% do PIB, atualmente, a menos de 1,4%. As perspectivas são positivas, mas não muito. Refletirão apenas os efeitos do crescimento do país e uma redução da inadimplência em uma base de crédito menor. É pouco para o potencial de lucro que o sistema tem.
No primeiro semestre, o volume de receitas do SFN, divulgado pelo Banco Central, foi de R$ 536 bilhões, é um valor exorbitante, proporcionalmente, o mais alto do mundo. É oportuno destacar que o montante é maior ainda, porque o IOF sobre concessões de crédito não passa pela conta de lucros e perdas. É contabilizado em separado da operação que o origina, como se não fizesse parte dela. É um caso único no sistema tributário brasileiro, talvez no mundo. É uma aberração contábil.
A margem para acionistas é de 8%, mediana. Além disso, o SFN empresta proporcionalmente pouco, cobra caro e tem baixa legitimidade. A causa é uma só, a política bancária é antiquada. O principal defeito dos bancos não é a ganância de seus gestores, mas sim seu conservadorismo, mantendo o sistema ineficiente.
É algo que pode ser corrigido, aprimorando a articulação de seus três componentes fundamentais. O ativo, que contem o crédito, o passivo, com a captação de depósitos, e a base econômica, que gera os recursos.
A arquitetura do SFN foi feita na época da inflação alta, em que para preservar a moeda nacional, o componente do passivo tinha que ser fortalecido, com múltipla indexação consoante com a dispersão de preços, liquidez imediata para aplicações e vantagens tributárias. Era um sistema estático, de um dia; onde as incertezas inflacionárias eram altas.
O crédito era predominantemente para equilibrar o caixa de empresas, na dependência de uma compensação de cheques demorada, originando um ganho inflacionário para os bancos. O governo se apropriava de parte desse lucro tributando os financiamentos e com exigências de caixa e compulsórios altos.
Um fato a destacar, no passado, era a preocupação de banqueiros com o terceiro componente, a base econômica. Um ditado bancário da época era: “Colha os ovos, mas não mate a galinha”. Ilustra o cuidado na articulação dos três elementos, para uma contribuição sustentável do sistema a seus acionistas e ao país.
Atualmente, o quadro é outro. As funções do SFN são diferentes, a inflação acabou, a compensação é em tempo real, a tecnologia revolucionou a intermediação, mas a concepção do sistema continua a mesma, retrógrada. O sistema é disfuncional e é um dos fatores mais fortes para explicar a derrubada da economia brasileira. Nos anos de 2010 a 2013, o PIB cresceu 17,4%, mas a inadimplência, medida pelo Serasa, aumentou 39,3%. Após o início da crise, continuou a subir mais aceleradamente.
Governo e bancos tentam extrair mais do setor não financeiro do que sua capacidade de gerar recursos, um imediatismo exagerado. Fazendo uma analogia, é como se numa economia agrícola, as sementes fossem tributadas pesadamente, uma circunstância em que não se pode esperar uma grande safra.
Há mais distorções. Uma é a indexação que protege investidores em prejuízo dos devedores. Insiste-se nela. A recém criada TLP, atrelando o custo das operações de crédito do BNDES à NTN-B, um título emitido pelo Tesouro, ilustra. Resolve o problema do lastro para operações, mas se houver um aumento do risco país, seus juros aumentam, e com isso, os problemas se propagam a todas as empresas que tem dívidas de longo prazo. Uma insensatez.
O outro exemplo de miopia é emblemático e envolveu o presidente da República, que veio a público anunciar a medida. Foi a de limitar o uso do rotativo do cartão a um mês. O resultado foi um fiasco. Diferente do anunciado, as taxas para essa modalidade continuam mais de 350% acima da taxa básica de juros.
O ponto do artigo é que os três elementos fundamentais estão desarticulados. O passivo está hipertrofiado, com certificação, transparência e garantias; o componente do crédito está exaurido, com taxas altas, prazos curtos, morosidade elevada, falta de clareza, e, na maioria das operações, com o ônus tributário maior que nas aplicações; e há uma preocupação exagerada com a sustentabilidade ambiental, em vez de com a econômica.
Não tem como dar certo. As medidas anunciadas no cadastro positivo, na duplicata eletrônica e na alienação fiduciária, entre outras, não vão gerar uma mudança substantiva. Apesar de que é possível uma transformação positiva. O momento é oportuno para uma rearticulação da intermediação.
A inflação está em 3% ao ano, a relação crédito/PIB está na metade do potencial e há uma necessidade de dar legitimidade aos bancos e ao governo. O fim da indexação e da moeda remunerada, mais transparência, crédito responsável, sustentabilidade econômica, tributação discernida, regulação eficiente e liquidez menos reprimida causariam uma transformação memorável.
A lucratividade aumentaria substancialmente e a contribuição da intermediação para o desenvolvimento do país, mais ainda. É paradoxal, agradaria a banqueiros, a governantes e a cidadãos; todavia, insistem em uma concepção de política bancária anacrônica. É isso.
Fonte: “Valor Econômico”, 24/10/2017
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