Lula ganhou um salvo conduto dado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas não é possível definir, a partir das votações de ontem, para que lado pende o plenário, embora muitas declarações coincidentes tenham aberto espaço para mudanças de votos. Ao que tudo indica, o ex-presidente vai ganhar o habeas corpus na volta do julgamento, em abril, se mantidas as posições implícitas nas declarações esparsas dos ministros na reunião de ontem.
A única que continua a ser uma incógnita é a ministra Rosa Weber, que usou o argumento de que se submete ao colegiado, como faz na Primeira Turma, onde vota frequentemente a favor do início do cumprimento da pena após a condenação em segunda instância, embora tenha votado contra quando o tema foi julgado originalmente. Nesse caso, ela prestigia a jurisprudência ainda em vigor.
Mas vários ministros aproveitaram seus votos ontem para enviar mensagens, e muitos se dirigiram à própria Rosa Weber. O ministro Marco Aurélio afirmou a certa altura que o plenário é o lugar para rever posições das Turmas.
O ministro Alexandre de Moraes, embora continue disposto a manter sua posição a favor da prisão em segunda instância, vê uma tendência no colegiado de considerar que a primeira reunião plenária para tratar do assunto, mesmo que a votação seja específica para o caso de Lula, é a ocasião propícia para marcar posições de mérito.
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Um tapetão para Lula
O ministro Celso de Mello deu entrevistas dizendo que a tendência do plenário ficará definida na votação do habeas corpus. Na verdade, os ministros que pretendem mudar a jurisprudência gostariam de tratar do assunto em abstrato, isto é, julgar as ADCs (Ações Declaratórias de Constitucionalidade) contrárias ao início do cumprimento da pena após a segunda instância.
Como a presidente Carmem Lucia colocou em votação o HC, mas não as ADCs, os ministros contrários querem encobrir o que pode ser entendido como uma proteção a Lula com a postura de que estão definindo a nova jurisprudência majoritária.
Na próxima reunião de abril, os seis que formam hoje a nova maioria com a adesão do ministro Gilmar Mendes devem aproveitar seus votos a favor da mudança da jurisprudência para fixar posições teóricas sobre suas posições, e provavelmente vão se definir pela prisão depois da decisão do Superior Tribunal de Justiça, mesmo que isso não esteja em julgamento.
Mesmo aprovando o HC de Lula, o resultado prático não será duradouro se não conseguirem votar as ADCs depois, mesmo que fique clara a tendência majoritária e, mais que isso, a inevitabilidade de votar as ADCs. O raciocínio é mesmo no julgamento: no plenário é diferente.
Só não se sabe o que a ministra Rosa Weber fará. Ela disse pelo menos duas vezes que acompanha o colegiado, o que pode ser entendido de várias maneiras: ou continuará votando como faz na Primeira Turma, acompanhando a jurisprudência que ainda vigora, ou acompanhará a nova maioria que já está explicitada nos debates.
O que menos importa na reunião de ontem do STF é o resultado das duas votações, já que o acolhimento do habeas corpus, mesmo com as questões técnicas levantadas, teve a marca da defesa da liberdade de ir e vir do condenado até que o julgamento chegue a seu final. O ex-presidente Lula terá que entrar com um recurso no Superior Tribunal de Justiça assim que o TRF-4 completar seu julgamento na segunda-feira dia 26.
Pela Lei da Ficha Limpa, esse recurso tem que entrar imediatamente, para que o STJ defina sua condição de condenado em segunda instância. Só se o STJ anular a condenação do TRF-04, hipótese considerada improvável, pois só aconteceria se uma ilegalidade formal fosse apontada no julgamento, é que Lula poderá se candidatar à presidência.
Mas, com o habeas corpus, poderá participar da campanha e apresentar seu substituto até o momento em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) definir oficialmente sua inelegibilidade, que fica decidida assim que terminar o julgamento em Porto Alegre.
Fonte: “O Globo”, 23/03/2018