A nova condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a 12 anos e 11 meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do sítio de Atibaia, deixa o PT sem saída política e sem argumentos jurídicos, mais uma vez à mercê das próprias fabulações.
Se as provas da corrupção na primeira condenação de Lula podiam até gerar alguma controvérsia, nesta são sobejas, eloquentes, inequívocas. Há e-mails, notas fiscais, depoimentos, roupas, bote e pedalinho. Impossível negar que ele tenha recebido um favor inaceitável, confessado pelos próprios empreiteiros que o concederam.
Os petistas insistem na tese da perseguição política. A defesa pretende recorrer de novo à instância sem poder sobre o assunto, o tribunal de direitos humanos das Nações Unidas. É previsível o fracasso.
Leia mais de Helio Gurovitz:
Começa batalha da Previdência
Renan ainda é desafio ao governo
Versão da Vale fica mais frágil
Não há como livrar Lula das provas, nem dos demais seis processos em que é réu, que na certa resultarão em novas penas. Não há como atribuir tudo ao ex-juiz Sérgio Moro, que trocou a Operação Lava Jato pelo ministério da Justiça – e hoje está às voltas com a batalha no Congresso em torno de medidas para reduzir a criminalidade e a corrupção.
Lula, para todos os efeitos, será pelo resto de seus dias um criminoso tentando acertar contas com a Justiça. Deve ser tratado com o respeito e o decoro que a lei reserva a um ex-presidente da República. Mas nenhuma das conquistas de seu governo pode livrá-lo dos próprios crimes. Politicamente, tem a cada dia menos força.
Isso estava claro antes das eleições do ano passado, antes mesmo da primeira condenação. Lula apostou na própria popularidade para tentar trazer o PT de volta ao poder. Fracassou. Para sobreviver e ganhar força, o PT precisa lidar com o fantasma e o legado do lulismo, derrotado fragorosamente nas urnas desde 2016.
Quais as opções diante do partido? A primeira é manter-se atrelado à história e à imagem de Lula. Isso significa insistir nas mesmas mentiras de sempre a respeito da corrupção. Significa defender o indefensável – ou, para advogados, defender o direito de defesa do indefensável.
O preço dessa estratégia é evidente. Não traz benefício nem a Lula, nem ao partido. Ao contrário, só serve para consolidar a ligação siamesa entre PT e corrupção na mente da população. Quanto mais o partido se apegar a seu corrupto-mór, mais difícil será mudar tal imagem.
Mesmo que haja corruptos em todos os partidos, Lula se tornou um símbolo, reforçado a cada nova condenação. A esta altura, nada há que os petistas possam fazer a respeito. Defendê-lo significa mergulhar num oceano de lama com toneladas de processos atados aos pés, soçobrar num patético abraço de afogados.
A segunda alternativa é dolorosa: desvincular o PT de Lula, condenar a corrupção interna, expulsar quem for preciso e tentar erguer um futuro diferente. Quem conhece a história do partido sabe bem que isso é extremamente improvável. As dificuldades são óbvias. Será impossível?
O PT é uma federação de diferentes tendências, com visões por vezes antagônicas, unidas em torno da história do partido e da personalidade de Lula. É também o partido com maior base popular, maior articulação regional e maior presença no território nacional. Livrar-se de Lula implicaria desmembrar alas devotas a ele, reduzir tamanho e alcance. O PT sairia menor, muito menor.
Talvez seja, contudo, a única forma de garantir algum tipo de sobrevida aos ideais que o cercaram da fundação até o momento em que assumiu o poder e adotou a corrupção não apenas como mal necessário ao jogo político, mas como meio de vida, como segunda natureza.
O PT paga o preço de erros estratégicos. Correu riscos que trouxeram benefícios no curto prazo, mas se revelaram fatais com o tempo. Insistir na polarização, no discurso do “nós contra eles”, “povo contra elite”, em satanizar a imprensa e espalhar mentiras pelas redes sociais e blogs de propaganda, tudo isso manteve o país iludido – até o momento em que o castelo ruiu na Lava Jato.
Ao mesmo tempo, foi a semente que permitiu o florescimento de um rival capaz de usar as mesmas armas para chegar ao poder. O bolsonarismo só ganha com o naufrágio do lulismo e com a insistência petista na polarização. Se o PT quiser continuar a representar a esquerda democrática no Brasil, precisará livrar-se do espectro de Lula.
Fonte: “G1”, 07/02/2019