Gastar demais é apenas um dos vícios do governo brasileiro, um dos mais visíveis e mais criticados. Esse vício é complementado e agravado por outro. Além de estourar suas contas, afundar em dívidas e pagar juros muito altos para se financiar, o governo gasta escandalosamente mal. A maior parte da enorme despesa anual pouco favorece o crescimento econômico, a criação de empregos, a modernização do País e o aumento do potencial produtivo. A estagnação da indústria, o desemprego de quase 13 milhões de trabalhadores, o despreparo da mão de obra e o analfabetismo funcional de cerca de 38 milhões de pessoas são claros sintomas de um desperdício de proporções amazônicas. Dispondo de uma carga tributária de cerca de um terço do produto interno bruto (PIB), o poder público entrega muito menos que as administrações de outras economias emergentes. Nestas outras, a tributação equivale em média a uns 20% da produção anual de bens e serviços. Mas a educação fundamental é frequentemente melhor que a brasileira, as contas públicas são menos desequilibradas e o desempenho econômico foi bem mais satisfatório nos últimos dez anos.
No Brasil, o dinheiro desperdiçado vai para o ralo por várias canaletas. No próximo ano serão consumidos R$ 306,4 bilhões só com os chamados gastos tributários, segundo estimativa divulgada na semana passada pela Receita Federal. São vantagens fiscais concedidas, nem sempre de forma justificável, a regiões, empresas, organizações sem fins lucrativos, grupos diversos e indivíduos às vezes muito bem de vida. Não há uma avaliação clara dos benefícios produzidos pelas várias facilidades incluídas nesse conjunto.
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Apesar de obscuros quanto aos efeitos, esses gastos crescem seguidamente. Deste ano para o próximo o aumento previsto é de R$ 23 bilhões, como informou o Estadão na quarta-feira. No Ministério da Fazenda, segundo noticiou o jornal no dia seguinte, técnicos têm procurado meios de reduzir ou eliminar parte das concessões. Se tiverem sucesso, o presidente eleito em outubro receberá um Orçamento um pouco mais administrável.
Mesmo sem grandes encargos adicionais, o governo central terá dificuldade em 2019 para manter o déficit primário dentro do limite previsto de R$ 139 bilhões. O resultado primário é calculado sem o custo dos juros vencidos. Os juros e o principal vêm sendo rolados há vários anos e, por isso, a dívida tem crescido. Essa tendência só será alterada quando houver algum superávit primário, isto é, alguma sobra para a liquidação pelo menos parcial dos encargos financeiros. Isso poderá ocorrer, segundo especialistas, lá por 2023, se nada sair muito errado. Esta última hipótese é obviamente otimista, nas condições de hoje.
Não basta, no entanto, encontrar meios de reduzir ou eliminar parte dos benefícios. Um corte linear também será uma solução de qualidade muito duvidosa. Parte das facilidades tributárias pode ser justificável com razões muito sólidas. Incentivos podem ser econômica e socialmente benéficos quando fazem, de fato, diferença para o desenvolvimento regional, para a pesquisa científica e tecnológica ou para a prestação de serviços médicos gratuitos ou acessíveis.
Em todos os casos, é preciso planejar cada benefício com muito cuidado e avaliar periodicamente seus efeitos. Não tem havido avaliação regular dos gastos tributários, como já advertiu o Tribunal de Contas da União, nem padrões claros e consistentes para determinar a concessão de facilidades.
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As vantagens são distribuídas segundo critérios muito raramente vinculados a noções de planejamento, de prioridades e de estratégias de desenvolvimento econômico e social. Pesam nas decisões a influência política dos beneficiários, a comunidade de interesses econômicos e o desejo de fazer boa figura. Isso vale tanto para a concessão de benefícios fiscais quanto para a decisão sobre desembolsos e distribuição de subsídios. Esse bolo enorme de renúncias e de despesas pode conter ingredientes muito diversos e inconciliáveis para o senso comum.
O conjunto pode incluir financiamentos de shows, moleza fiscal para quem recebe dividendos, desonerações de encargos sem criação de empregos e incentivos a indústrias limitadas a exportar para o Mercosul. Pode também conter sustentação de preços mínimos para certos produtos agrícolas, financiamento à exportação, bolsas de estudos para boas escolas, sempre com garantia de algum acerto de contas, e ajuda a hospitais beneficentes.
Alguns desses programas produzem, quando bem executados, efeitos econômica e socialmente positivos. Isso tem sido mostrado pela experiência internacional e comprovado amplamente no Brasil.
Não se trata, no entanto, apenas de selecionar com cuidado alguns objetivos e grupos beneficiários. É preciso definir claramente certos objetivos de longo prazo, sustentáveis por muito tempo, e metas estratégicas e variáveis de acordo com etapas do desenvolvimento. Planejamento respeitável tem como pressuposto dinheiro público manejável de forma racional. Isso é quase impossível quando o Orçamento, como no Brasil, é amarrado por despesas dificilmente comprimíveis e por vinculações de verbas.
Essas vinculações podem ter sido inventadas com excelentes intenções, mas são incompatíveis com a racionalidade e ainda favorecem a incompetência e a corrupção. Para que desenhar programas eficazes para a educação, quando há verbas garantidas e despesas obrigatórias? Prioridades mal escolhidas – e com evidente viés eleitoral – facilitaram a expansão de um ensino superior de baixa qualidade e pouca serventia. Ao mesmo tempo, os cursos fundamental e médio continuaram ruins, como têm comprovado testes internacionais e nacionais. Falar em falta de dinheiro é discutir a questão errada, especialmente quando muitos bilhões são desperdiçados a cada ano. A maior parte dos presidenciáveis tem ficado longe desses temas.
Fonte: “Estadão”, 09/09/2018
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