A formação de preço do Bitcoin é um dos temas mais polêmicos da atualidade. Alguns afirmam que o hype em torno da criptomoeda é uma bolha especulativa; outros, que é um mercado em processo de amadurecimento. Para explicar a recente alta (e queda) do preço, dois estudos foram publicados recentemente: o primeiro afirma que o preço do Bitcoin foi manipulado, enquanto o segundo aponta para ação da lei de oferta e demanda.
Um estudo publicado pelo professor da Universidade do Texas John M. Griffin e seu aluno Amin Shams aponta que o recente boom no preço do Bitcoin foi influenciado pelo token digital Tether. O paper, intitulado “Is Bitcoin Really Un-Tethered?”, tem 66 páginas e foi publicado no dia 13 de junho de 2018. A notícia foi amplamente noticiada no Brasil e no exterior.
Tether é um token (“ficha”) digital que, segundo seus criadores, é criado na proporção de 1:1 com o dólar americano. Para cada token emitido haveria uma unidade de moeda fiduciária em um banco. A ideia da criadora, Tether Ltd., é que o Tether seja negociado como se estivesse negociando com dólar, só que digitalmente.
Veja também:
Leandro Narloch: O bitcoin e os bares de Facundo Guerra
Monica de Bolle: O que é moeda?
Startup brasileira lança moeda virtual e cria casa de câmbio
Os pesquisadores, famosos por encontrar fraudes de Mercado com seus estudos, utilizaram algoritmos para analisar os dados do Blockchain e descobriram que a maior parte do Tether emitido vai para as corretoras Bitfinex, Poloniex e Bittrex. Quando o preço do Bitcoin cai, essas exchanges usam Theters para comprar Bitcoin “de uma maneira coordenada que manipula o preço”, disse Griffin em entrevista.
O estudo indica que o Tether pode ser “puxado” por investidores que têm moeda fiduciária ou “empurrado” no Mercado pela Tether Ltd., já que ela é a única entidade emissora. É a mesma lógica da política monetária de um governo; a Tether Ltd. seria como um Banco Central. Nas próprias palavras dos pesquisadores:
“Bitfinex fornece Tether independentemente da demanda dos investidores que têm moeda fiduciária para comprar Bitcoin e outras criptomoedas. Os Bitcoins adquiridos podem então gradualmente ser convertidos em dólares. (…) Se os fundadores de Tether, como a maioria das primeiras exchanges de criptomoedas, têm Bitcoins [estão em posição “long”], eles têm o grande incentivo de criar uma demanda artificial de Bitcoin e outras criptomoedas “imprimindo” Tether. Similar ao efeito de imprimir dinheiro adicional, isso pode empurrar os preços de criptomoedas para cima.”
Oferta e demanda definindo o Bitcoin: o estudo da Chainanalysis
O outro estudo foi publicado em 8/6/2018 e é de autoria da Chainanalysis, uma empresa focada em “prevenir, detectar e investigar lavagem de dinheiro, fraude e violação de compliance em criptomoedas”. Denominado “Bitcoin’s $30 billion sell-off”, foram aplicados conceitos de política monetária ao Bitcoin para entender melhor a Criptoeconomia.
A metodologia do estudo foi a seguinte: ao analisar o Blockchain, eles separaram o Bitcoin em grupos: i) aquele que está disponível para ser negociado; ii) aquele que não é negociado há mais de um ano; e iii) o Bitcoin “perdido”, que ocorre quando o dono perdeu a senha, por exemplo.
Esse Bitcoin que não é negociado cria uma escassez de Bitcoin no Mercado, fazendo o preço subir. Se esse BTC começar a circular, aumenta-se a oferta, derrubando o preço. Isso é exatamente o que um Banco Central faz em suas políticas monetária e de câmbio.
+ Parceria Terraço Econômico: A paixão do brasileiro por soluções rápidas, fáceis e ineficientes
Ao analisar os dados, eles descobriram que, à época da alta do Bitcoin, em dezembro, houve uma grande venda (daí o nome sell-out), que transferiu mais de R$ 30 bilhões de dólares em Bitcoin dos investidores de longo prazo (que não negociavam há mais de um ano) para os especuladores (que estão sempre negociando).
Desde dezembro de 2017, a oferta de Bitcoin disponível para negociação aumentou 57%. Além disso, algo entre 2.3 e 3.7 milhões está perdido para sempre. O que reduz a capitalização em algo entre 13% e 22%. Para que os preços voltem a subir, ou os especuladores deverão diminuir a oferta segurando a criptomoeda (técnica apelidada de “hodl”), ou a demanda deverá aumentar, o que pode acontecer com uma nova onda de investidores ou novos casos em que o Bitcoin seja usado com sucesso.
O Bitcoin tornou-se grande a ponto de ser lucrativo apenas analisar e vender dados. E mais: mostrou que é possível fazer a auditoria desses dados. Isso não é possível com bancos ou com o seu município, por exemplo. É a Criptoeconomia desenvolvendo-se.
Esse parece ser o melhor estudo de Bitcoin até o momento. Ele se mostra plausível pois é sabido que o Bitcoin foi feito para ser uma moeda de oferta limitada a 21 milhões de unidades (o que já está chegando ao fim). Assim, a Lei de oferta e demanda pode funcionar do jeito certo: sem que governos intervenham – mesmo que empresas tentem simular isso.
Manipulação versus Lei de Mercado
Os dois estudos não necessariamente se contradizem. Eles podem ser complementares. Como o primeiro estudo indica, pode ter havido fraude por parte dos criadores de Tether na alta de 2017. O que explica em parte a variação de preço. Mas é um caso isolado. Não é a regra.
O segundo estudo, apesar de ser menor e não ser acadêmico, é mais completo: explica não só a alta histórica do final do ano passado, mas explica melhor como o BTC funciona. Não investiga somente casos isolados, mas como o preço do Bitcoin é realmente formado, pelas leis de Mercado.
Fonte: “Terraço Econômico”, 20/06/2018