O mundo tem assistido uma serie de convulsões sociais. Na França, na Espanha, no Equador e mais recentemente no Chile e na Bolívia. As três razões principais que nos parecem explicar essas manifestações são as oportunidades limitadas de emprego para quem chega ao mercado, as desigualdades crescentes com grandes concentrações de renda e os chamados serviços públicos caros e de baixa qualidade. O interessante é que o estopim das convulsões sociais na França, no Equador, no Chile e mesmo, lembram, no Brasil em 2013, foram tarifas e preços de produtos essenciais para a população. Na França o preço do diesel, no Equador a Gasolina, no Chile as tarifas do metro e no Brasil foram as passagens de ônibus.
No caso das tarifas públicas e dos preços dos combustíveis no Brasil temos de discutir com urgência e coragem as verdadeiras causas do porquê a sociedade paga tão caro. Não podemos e não devemos aceitar que a sociedade seja guiada por oportunistas e irresponsáveis que com o habitual populismo enganam a população com soluções, ditas modernas e que beneficiariam o consumidor. Quando na verdade, só desorganizam o mercado, instaurando uma anarquia e uma falsa concorrência.
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Temos que entender as funções do mercado e o papel do Estado de uma forma clara e transparente. O mercado deve ter liberdade de estabelecer os preços através da concorrência sem qualquer tipo de intervenção do governo. O governo deve regular, fiscalizar e tributar de acordo com as características de cada mercado. Os combustíveis participam de um mercado de plena concorrência, os chamados monopólios naturais como distribuição de energia elétrica e gás natural precisam da atuação de agências reguladoras fixando as tarifas.
O que a regulação e a política pública precisam ter é muita atenção e cuidado com subsídios e tributos. Esses sim podem provocar distorções de mercado penalizando consumidores e muitas vezes criando uma casta de consumidores privilegiados. Não são as empresas as principais responsáveis pelos preços e tarifas altos e sim o governo federal e os Estaduais com os subsídios e tributos. No Brasil a lógica da política tributária aplicada a energia elétrica e aos combustíveis é a mesma de produtos como bebidas e cigarros. Vamos combinar que a energia elétrica e os combustíveis são produtos essenciais ao contrário da bebida e cigarros. Chega a ser um acinte que os consumidores paguem 50% de impostos nas suas contas de energia elétrica e para colocar um litro de gasolina no carro. Mas ao invés de travarmos uma discussão séria sobre o papel dos subsídios, dos impostos e mesmo sobre a sonegação vemos campanhas contra as distribuidoras de energia elétrica, gás natura, GLP e combustíveis sendo acusadas de atravessadoras e culpadas pelos preços e tarifas elevados.
Aí aparecem os oportunistas e irresponsáveis se utilizando de um discurso que estariam trazendo modernidade, melhoria do meio ambiente, eficiência e com isso estimulando a concorrência, se colocando ao lado do consumidor. O discurso usado para promover todos esses benefícios é propor alterações regulatórias que promovam o chamado bypass. O bypass é um termo em inglês que tem o significado de contornar, desviar ou dar a volta em torno de algo. No caso da distribuidora de energia elétrica esse bypass acontece com a geração distribuída que usa a rede elétrica e não paga. No caso da distribuidora de gás esse mecanismo de bypass permitiria que os grandes consumidores deem uma volta nas distribuidoras não pagando margem. O bypass nas distribuidoras de GLP é a venda fracionada. Nos combustíveis são regulações que promovem a venda direta de etanol por parte da usina e mesmo práticas como a tentativa de venda delivery de gasolina contornando as distribuidoras. Tudo isso ao invés de promover redução de preços cria a chamada política Robin Hood às avessas. Ou seja, os consumidores de menor renda subsidiarão os de renda mais alta e de maior poder político. Sem falar que no caso dos combustíveis existem questões de segurança, de desabastecimento e de sonegação. É essa a modernidade que precisamos e queremos?
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 16/11/2019