Minha amizade com a família Frias data do fim da década de 70, quando, conselheiro da OAB-SP, lutávamos pela redemocratização, usando, os advogados, a melhor das armas, ou seja, a palavra.
Otavio já participava ativamente do jornal, e seu pai, apesar de não se dizer jornalista, foi das mais notáveis figuras do jornalismo que conheci, pois aliou prudência à coragem, pelo prisma de uma fantástica visão da realidade brasileira e mundial.
Estive presente na noite em que pai e filho decidiram enfrentar o presidente Collor, quando da invasão da Folha, estando convencido de que aquela decisão serviu de apoio público para todos os que não se conformavam com os atos praticados nos primeiros dias de governo do novo presidente. Estancou a arbitrariedade nascente e recolocou o país no caminho da democracia.
Desde a morte de meu saudoso e querido amigo, Octavio Frias de Oliveira, em 2007 —recebeu da Academia Paulista de Letras o 1º Prêmio Luís Martins, dedicado ao jornalismo, em 2006—, seu filho chegou ao jornal com a mesma linha de respeito a todas as correntes de pensamento, abrindo espaço permanente ao debate democrático, sem abdicar, entretanto, do direito de expressar a opinião do jornal sobre os mais relevantes assuntos.
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Nesta longa amizade e convivência, sempre convergimos, Otavio e eu, na luta pela democracia e pelo respeito à independência e harmonia dos Poderes; à não invasão de competências de um Poder sobre o outro; à necessidade de reformas estruturais no país, principalmente a política e tributária; ao combate à corrupção, assim como em relação aos mais variados temas voltados ao exercício da cidadania.
Nossas divergências residiam nas questões religiosas, assim como naquelas envolvendo a concepção familiar —divergências, todavia, em que respeitávamos cada um a posição do outro, porque sabíamos que nossos pontos de vista decorriam de sólidas convicções pessoais e não de conveniência ou oportunismo, postura das pessoas que querem mais aparecer do que ser.
A notícia de sua morte entristeceu profundamente a todos que o conheciam e a mim, particularmente, porque sempre vi em Otavio um idealista, com talentos que ultrapassavam a sua profissão, visto que foi um respeitado dramaturgo e brilhante ensaísta. Cheguei a pensar em trazê-lo para a Academia Paulista de Letras, quando a presidi, nas vagas que se abriram, mas, modesto e discreto, nunca hospedou a ideia. Seu talento poderia ser acolhido em qualquer sodalício do país.
Estamos todos de passagem por este mundo, embora nunca estejamos inteiramente preparados para o momento de deixá-lo. Para aqueles que acreditam numa vida além da morte, como eu, e que Deus julga a cada um, na sua misericórdia, à luz do que acreditavam para o bem do próximo, apesar de suas convicções poderem não ser as Dele, tenho a esperança de que está hoje melhor do que aqui.
Seu pai dizia-me que gostaria de ter fé, mas não a tinha. Era, entretanto, um homem justo. Esse atributo foi a esplendorosa herança que Otavio recebeu e que sempre norteou a sua vida, razão pela qual fará muita falta para os que ainda estão nesta passagem pela terra.
Em Fatehpur Sikri, na Índia, na entrada da cidade construída em 1571 e abandonada pelo rei Akbar 14 anos depois, há uma inscrição, na ponte do Triunfo: “A vida é uma ponte. Atravesse-a, mas não pense em construir sobre ela”. O querido amigo Otavio, entretanto, construiu.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 23/08/2018