O começo do governo foi como o esperado: cheio de expectativas, entre acertos e erros, com algumas polêmicas evitáveis. No todo, o resultado é positivo, sinalizando ao mercado e à sociedade brasileira que, a partir da proposta de reforma previdenciária, o Planalto está consciente da gravidade e decidido a enfrentar o descalabro das contas públicas nacionais. No entanto, não basta a simples vontade de querer resolver problemas; em sistemas democráticos complexos, é preciso ter uma visão estratégica global, associada ao charme da liderança política superior que, com empatia e persuasão, faz surgir a silenciosa habilidade de construir duradouras soluções eloquentes.
Sem cortinas, passados os dois primeiros meses, há sinais palpáveis de que alguns aspectos do alto cargo presidencial ainda não foram totalmente absorvidos. O episódio de um vídeo desnudo em rede social é por demais sintomático. Além de revelar um traço provocativo típico de períodos eleitorais, materializa deslize incompatível com a serena dignidade e altivez que devem nortear o comando da nação.
Sim, não há dúvida de que os governos anteriores rebaixaram ética e moralmente as instituições brasileiras. A desonra foi tanta que acabou presidiária… Mas é preciso olhar para frente e construir novos caminhos. A rota de sucesso político não se faz pelo retrovisor da história. Aliás, foi justamente por não suportar mais tantas e tamanhas baixarias que o povo brasileiro resolveu optar pelo candidato que melhor encarnava o sentimento de mudança. Logo, é preciso elevar o tom e abandonar o meretrício cultural que nos faz menor.
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Objetivamente, o regime presidencialista é magnético à figura do presidente da República; seus atos consagram ou afundam governos. Se os acertos são tidos por deveres do cargo, os erros são fonte de instabilidade política. E, não raro, um pequeno desvio é capaz de danos gigantescos. A delicadeza das circunstâncias também é um fator de risco: vivemos tempos políticos conturbados, de grande polarização e alta insatisfação com a baixa responsividade das estruturas democráticas. O fluxo informacional das redes sociais inflama ainda mais o tecido político em uma frenética guerra digital pelo controle da psicologia popular. Por assim ser, o primeiro magistrado da nação deve ser um farol de lucidez e, não, um barril de pólvora.
Senhor presidente, a vida lhe outorgou a possibilidade de mudar o Brasil. Não custa lembrar que muitos brasileiros eminentes sonharam com essa oportunidade, mas não encontraram eco no destino; basta rememorar as distintas personalidades de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada e Oswaldo Aranha, que, apesar de todos os títulos, predicados e a firme ambição de chegar à Presidência, apenas passearam nos jardins do Catete. Então, é chegada a hora de governar e bem governar o Brasil.
Ora, não se chega à Presidência por acaso. O mérito de sua vitória eleitoral é indiscutível. Sua honesta decisão pessoal de querer servir ao Brasil tocou o coração das pessoas, despertando a esperança cívica de vivermos em um país mais decente, justo e próspero. Além disso, Vossa Senhoria possui uma simplicidade natural, que pude ver com meus olhos, avalizando sua autêntica liderança popular. Mas uma coisa é chegar lá; outra é chegar e ser um grande presidente.
Nosso país não merece mais um insucesso político. Os traumas de uma eventual inversão de expectativas serão gravíssimos, indicando que sua responsabilidade é de máximo grau e de profunda complexidade. Escrevo, aqui, com absoluta ao sinceridade. O diálogo democrático construtivo pressupõe lisura e verdade entre governantes e governados. De minha parte, desejo sucesso absoluto a seu governo, tendo a íntima convicção de que isso é possível. No entanto, se eleições se vencem com tintas de apelos emocionais, governos só adentram na história pelo acerto de suas estratégicas escolhas racionais, guiadas pela intuitiva sabedoria das movediças circunstâncias. Chega, portanto, de erros bobos que apenas levam o nada a lugar nenhum.
Fonte: “Estado de Minas”, 14/03/2019