Na quinta-feira (22), o IBGE divulgou a prévia da inflação de agosto, o IPCA-15, que foi de 0,08%, ante nossa expectativa de 0,14%. Não é a primeira vez nos últimos tempos que a inflação tem surpreendido para baixo.
Houve clara mudança na dinâmica da inflação. E nós ainda não aprendemos. Essa alteração é bem documentada pelos erros de previsão da pesquisa Focus, conduzida pelo Banco Central com economistas do mercado financeiro.
A previsão para a inflação do ano seguinte, feita na última semana de cada ano, apresentou clara alteração de padrão. Entre 2010 e 2015, as estimativas subestimaram significativamente a inflação. Na média, a inflação esperada, em dezembro de um determinado ano para o ano subsequente, foi 1,35 ponto percentual abaixo do efetivamente ocorrido.
Já entre 2016 e 2019, considerando que o IPCA fechará este ano em 3,35%, houve clara superestimativa. Na média, a inflação esperada, em dezembro de um determinado ano para o ano subsequente, foi 0,84 ponto percentual acima que o de fato observado.
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Como se nota, não há conspiração do mercado financeiro. Às vezes ele erra para um lado; outras vezes, para o lado contrário. Há também erros sistemáticos. Parece que os economistas do mercado, entre os quais se inclui este escriba, demoram a aprender.
A grande alteração do processo inflacionário é que choques de oferta não têm alterado a dinâmica da inflação. Por exemplo, de janeiro de 2018 até hoje o câmbio desvalorizou-se em 25% (de R$ 3,2 por dólar para R$ 4). Não houve repasse do choque cambial.
Como as expectativas inflacionárias estão bem ancoradas —o mercado acredita que o BC cumprirá a meta nos próximos anos—, os choques de oferta se dissipam. Contribui para essa dissipação o elevado desemprego, que dificulta o repasse para os preços dos choques de oferta.
Penso que essa alteração muda a forma de operação do regime de metas de inflação.
Normalmente o BC, em razão de suas previsões de inflação para o ano seguinte, ou para até dois anos à frente, e das previsões do mercado para o mesmo horizonte temporal, ajusta a taxa de juros se a inflação prevista estiver acima ou abaixo da meta.
Essa lógica deve ser mudada. Se a inflação projetada —quer pelos modelos do BC ou pelo mercado— estiver acima da meta em decorrência de um choque de oferta, não fará sentido o BC elevar a taxa de juros. Dado que não há repasse dos preços afetados diretamente pelo choque de oferta aos demais preços, o choque não tem a capacidade de elevar a inflação.
Por outro lado, é possível que a subida dos preços diretamente afetados pelo choque de oferta reduza a renda dos consumidores e, consequentemente, reduza a demanda e a inflação.
Se a inflação estiver acima da meta em razão de um choque de oferta previsto, não fará sentido o BC lutar contra ele.
A inflação deve fechar o ano de 2019 rodando a 3,35%. Os modelos sugerem que ela rodará em 2020 por volta de 3,8%. Como há um choque no grupo de proteínas animais, em razão da gripe suína que tem dizimado boa parte do rebanho chinês, é possível que a inflação fique acima dos 3,8%. Por exemplo, algo como 4,1%.
Como a meta para 2020 é de 3,75%, é possível argumentar que o BC deveria subir juros. Como vimos, não é o caso.
Adicionalmente, a experiência dos últimos quatro anos sugere que a previsão dos modelos, de 3,8% de inflação para 2020, deve estar superestimada. Meu palpite é que a inflação em 2020 ficará, a menos de choques de oferta, na casa dos 3,3%.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 25/08/2019