O mais antigo e vasto museu brasileiro, o bicentenário Museu Nacional, foi consumido por um incêndio em praticamente sua integralidade na noite deste domingo, dois de setembro de 2018.
Muitos são os culpados: descaso, má alocação orçamentária dos responsáveis por sua conservação, atrasos em manutenções anunciadas. Acidentes acontecem, mas algumas fatalidades infelizmente têm uma previsibilidade triste no Brasil. Essa foi mais uma delas.
Para além do apontar de culpados, algo muito importante precisa entrar em discussão. Por que em nosso país as questões importantes acabam tornando-se urgentes para que possa enfim se pensar em alguma saída? Quantos espaços de tal importância precisaremos ver serem destruídos enquanto outros, com prioridade que pode ser questionada, continuam recebendo recursos vultosos?
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O Maracanã, nas vizinhanças do museu destruído, teve o seu orçamento inflado em 211 milhões de reais, segundo o TCU. O orçamento anual do Museu Nacional era de menos de 0,25% desse superfaturamento.
Neste ano, completando 200 anos de existência, organizadores do museu colocaram no ar uma vaquinha virtual, que visava angariar recursos para a reforma de uma sala que havia sido consumida por um ataque de cupins. O item da sala: o Maxakalisaurus, primeiro dinossauro de grande porte montado no Brasil. A vaquinha teve seu objetivo de R$30.000,00 alcançado em quase duas vezes.
Outra reflexão importante neste momento: até quando o temor de que outras formas de financiamento possam ocorrer irá impedir com que muitos pontos importantes de cultura e história em nosso país possam ser melhor conservados? Por que há tanto impedimento legal, tanta complicação, tanto embaraço, mesmo quando existe o interesse privado em angariar ou mesmo doar recursos com essa finalidade?
Atualmente, uma das limitações é, curiosamente, constitucional: a Emenda Constitucional 241/95 impede que o orçamento se amplie além da variação da inflação do período.
É claro que a questão é mais complexa do que isso. Não necessariamente esse repasse de recursos de origem privada, iria diretamente para tais projetos. Peguemos a UERJ, responsável pelo Museu Nacional desde 1954, como exemplo: a universidade vive uma crise orçamentária sem precedentes e poderia usar esse recurso adicional de diversas maneiras diferentes.
A própria USP, como já escrevi em 2016, utilizou seu orçamento crescente entre 2010-2014 ampliando a folha de pagamentos, enquanto outros projetos (como o Museu do Café, que fica dentro do campus de Ribeirão Preto) seguiram no esquecimento.
Mas a abertura para incursão de capital privado em entidades públicas ou de interesse público poderia ter um outro efeito positivo: o do aumento do interesse por essas estruturas. Através de tais possibilidades, o orçamento desses entes poderia ser reforçado não apenas financeiramente, como também em nível de atenção, já que aqueles que direcionarem recursos, ao menos na teoria, terão uma preocupação maior – comparado a aqueles que pagam sem perceber, por meio de impostos.
No caso da USP, cujo orçamento é composto por parte do ICMS paulista. Existe uma clara diferença entre a atenção dada ao recurso que entra tendo sido pago na compra de um produto, por um dos 40 milhões de habitantes do estado e o recurso que, a partir de um programa de endowment (a Escola Politécnica da USP tem um), entra diretamente através de uma contribuição de alguém que já fez parte daquela comunidade acadêmica.
Há um projeto, de autoria da Senadora Ana Amélia (PP-RS), que trata do assunto. Através de tal medida, seriam muitas as possibilidades adicionais para diversos entes públicos, sem que ocorresse o temido “corte orçamentário justificado por essa entrada de capital privado”.
Essa complementaridade entre o orçamento público e privado, com execução pública – ou seja, não orientada para geração de lucro, mas sim com foco no bem-estar gerado -, poderia ser uma verdadeira revolução que, no fim das contas, impediria tragédias como as da noite deste primeiro domingo de setembro de 2018.
Novamente, para além do apontamento de culpados e responsáveis, será preciso analisar o tamanho do dano causado ao Museu Nacional após esse incêndio. Seu acervo de mais de 20 milhões de itens catalogados certamente foi bastante prejudicado, perdendo-se assim um montante imenso de registros da história brasileira que, em comparação com o que se tem em outros países, já é deveras escasso. Mas, além do tratamento de contingências, é importante pensarmos em como diminuir tais ocorrências no futuro.
Abrir a mente para novas possibilidades, para além do medo típico do capital privado, pode ser uma boa ideia.
Fonte: “Terraço Econômico”, 03/09/2018
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