Como mencionei em artigo anterior, a PEC 45, autodesignada “reforma tributária”, é uma fonte inesgotável de críticas.
Fundamentada em vetustos dogmas e principismos, proclama o primado da alíquota única, justamente o que existia na vigência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM), hoje ICMS, até a promulgação da Constituição de 1988, e no PIS/Cofins, até a deflagração da farra dos regimes especiais em 2003.
É indiscutível que é iníqua a profusão de alíquotas efetivas no ICMS e no PIS/Cofins, tanto quanto é inconveniente perfilhar uma alíquota única, porque essa tese desconhece as especificidades de setores econômicos. Não pode haver uma medida igual para tudo, como ensina Douglass North, Prêmio Nobel de Economia.
Leia mais de Everardo Maciel
Um elefante em loja de louças
Insensatez não é opção válida
A PEC 45 não discrimina alíquotas e os discursos dos que a defendem, por conveniência, omitem as pertinentes informações. É que não podem tratar desse assunto, para não ficar evidente o espetacular aumento de carga tributária para importantes setores.
As primeiras vítimas são os optantes do lucro presumido que recolhem o PIS/Cofins na sistemática cumulativa. São cerca de 850 mil contribuintes e contra eles existe uma incompreensível má vontade.
Admitida a conservadora hipótese de dois sócios por empresa, temos um universo de quase 2 milhões de advogados, médicos, engenheiros, contadores, jornalistas, consultores e outros profissionais liberais, além de pequenos prestadores de serviços, comerciantes e industriais. Todos inevitavelmente teriam um aumento brutal de tributação. O aumento alcançaria também setores que têm regimes especiais, como o imobiliário, o agrícola, o de radiodifusão.
Por sua vez, a tributação dos setores sujeitos no PIS/Cofins à substituição tributária (bebidas e tabaco) ou à incidência concentrada (combustíveis, automóveis, produtos farmacêuticos) entraria no campo do absolutamente imprevisível.
Pretende-se extinguir o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e criar um enigmático Imposto Seletivo, visando à contenção de consumo. Esse estranho propósito leva a entender que a agenda oculta é a extinção da Zona Franca de Manaus, visto que o IPI já é um imposto seletivo.
Se verdadeira a hipótese, é estarrecedor o ressentimento contra os investimentos feitos na Amazônia e seus trabalhadores.
Alega-se que, em prazo (prorrogável) de dois anos, seriam experimentadas alíquotas, o que constitui evidência de que não se conhece o impacto tributário ou que, caso exista alguma estimativa, se cuida de omiti-la. É a opção pelo aventureirismo.
Além disso, pelo prazo de dez anos o proposto tributo conviveria com o ICMS, ISS e PIS/Cofins. Não é necessário muito esforço para concluir o que significa isso em termos de aumento de obrigações para os contribuintes. Nenhum dos atuais problemas daqueles tributos é resolvido e criam-se novos.
Apenas para argumentar, consultem os optantes pelo lucro presumido e sistemática cumulativa do PIS/Cofins se desejam migrar do atual regime tributário para o proposto. Seguramente nenhum deles faria tal opção, mas a arrogância, com pretensões à sabedoria, abomina a vontade alheia.
Os parlamentares, ao examinarem a PEC 45, não devem esquecer que as vítimas do aumento de carga tributária e da complexidade, além de serem contribuintes, são eleitores.
Leonard Mlodinow, físico e articulista do New York Times, em Elástico, relembra episódio do antigo programa Além da Imaginação. Nele se relata a invasão da Terra por alienígenas com 2,75 metros de altura, falando uma língua desconhecida, comunicando-se por telepatia e trazendo um livro que os criptógrafos só conseguiram traduzir o título: Para servir o homem.
Depois de algum tempo na Terra, convidaram o líder dos terráqueos para subir à nave. Quando o líder estava prestes a entrar, foi interrompido pelos gritos de uma criptógrafa que decifrara o resto do livro. “Não entre”, bradava ela, “é um livro de receitas.” O principal prato do menu eram homens.
Contribuinte, não entre na PEC n.º 45. É um livro de receitas. A vítima será você.
Fonte: “Estadão”, 04/07/2019