No início de junho discuti que o mercado financeiro, principalmente o local, sofria de miopia. Celebrava o corte da taxa de juros no curto prazo pelo Fed, o banco central americano, e minimizava os riscos de médio/longo prazos advindos da desaceleração da economia mundial.
Já os investidores globais foram mais cautelosos, mostrando-se seletivos na alocação de seus recursos. Ao longo do primeiro semestre, houve aumento da demanda por títulos da dívida de governos de países desenvolvidos e por ouro, e menor fluxo para países emergentes.
O humor dos mercados pode mudar rapidamente, e isso aconteceu no mês passado. Existindo ou não a “maldição de agosto”, não convém ignorar os sinais emitidos. O investidor global está ainda mais preocupado e quer proteger seu patrimônio.
Crescentemente, os investidores globais têm preferido colocar seus recursos em “portos seguros”, pois a expectativa de ganho com investimentos mais arriscados não compensaria o risco corrido. O resultado é a queda da taxa de juros dos títulos públicos de economias avançadas e a alta expressiva da cotação do ouro.
A elevada liquidez mundial, fruto da injeção de recursos feita pelos bancos centrais como resposta à crise global de 2008-09, empurra ainda mais para baixo os juros desses papéis por conta da elevada demanda por proteção. Na Europa, as taxas de juros estão negativas. Os investidores pagam para ter seus recursos protegidos.
A ideia que os juros baixos/negativos no mundo desenvolvido estimulariam os fluxos de capitais para países emergentes, como o Brasil, é equivocada. É justamente o contrário. Os juros baixos refletem a falta de apetite por investimento nesses países. O ambiente global precisa melhorar para o investidor ficar menos conservador.
Nos EUA há uma outra patologia: os juros da dívida pública com vencimento mais longo, como as Treasuries de 10 anos, estão no campo positivo, mas são inferiores à taxa básica ou às de curto prazo. Na linguagem técnica diz-se que a curva de juros está invertida. O normal seria os juros mais longos serem mais elevados do que os de curto prazo, afinal o risco é maior conforme se estende o vencimento da dívida.
O problema é que esse fenômeno tem sido associado a recessões adiante. O canal seria pelo mercado de crédito. As instituições de crédito tomam recursos no curto prazo e emprestam no longo prazo. Com juros longos mais baixos, a oferta de crédito tende a se retrair, machucando a atividade econômica.
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Com a fraqueza da economia mundial, muitos analistas defendem políticas de estímulo, como cortes de juros pelos bancos centrais e aumento dos gastos do governo. As chamadas políticas anticíclicas são bem-vindas, mas nem sempre estão disponíveis (não convém países com problemas fiscais gastarem mais) ou são efetivas (estímulos ao crédito podem ter efeito limitado quando é o endividamento na economia é alto).
O que realmente poderia mudar a dinâmica da economia mundial seria algo difícil de acontecer tão cedo: a volta de políticas de abertura comercial. Os ataques à globalização, ainda que injustos, dominam a cena global.
O crescimento do comércio mundial gerou aumento da produtividade, maior crescimento e bem-estar social no mundo. Houve também melhora da distribuição de renda no mundo em favor de economias emergentes e redução da pobreza. Claro que há perdedores: há evidências de que o avanço do setor produtivo nas economias asiáticas gerou perda de empregos da classe média nas economias desenvolvidas.
Porém, não parece correto responsabilizar a globalização por toda bronca dessa classe média. A fatura precisa ser dividida com a crise global da década passada.
Com poucas exceções, como o acordo Mercosul-União Europeia, a agenda de abertura comercial está congestionada, em meio ao enfraquecimento dos organismos multilaterais. Justo aquilo que seria o verdadeiro remédio para a retomada do crescimento mundial está em baixa.
Tempos desafiadores que exigem perseverança na agenda doméstica.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 5/9/2019