O fracasso do país que muito prometeu acirra ânimos e alimenta a busca de vilões. Muitos erros são obra de várias mãos.
O Brasil é ainda um adolescente em termos de funcionamento das instituições democráticas. Um país que procura seu caminho para a civilidade, mas não sem tropeços.
Parte do que somos se reflete na ambiguidade das leis e suas idas e vindas, fruto de um país que culturalmente preferiu o “jeitinho” ao enfrentamento. O sistema judiciário está dividido e ninguém está totalmente certo ou errado.
Este quadro alimenta a divisão da sociedade. Para quem vota em Lula (30-35% das intenções de voto), sua prisão é injusta, pois a corrupção é generalizada; para o anti-Lula (em torno de 40%), é o passaporte para um futuro melhor.
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A disputa raivosa não parece relevante entre as classes mais populares, que são a maioria (quase 60% da população têm renda mensal familiar per capita de até um salário mínimo) e estão à margem das discussões da Justiça. Ela provavelmente se concentra no topo da pirâmide social que não conta com mais de 10% da população (apenas 8% da população têm renda familiar mensal per capita acima de 3 salários mínimos). Justamente este grupo, com mais estudo, deveria lidar melhor com a divergência.
O fracasso do país que muito prometeu acirra os ânimos e alimenta a busca de vilões. Falta uma compreensão de que muitos erros cometidos são obra de várias mãos. Excessos aqui e omissões e complacência acolá. Um país que administrou muito mal a bonança.
A maior responsabilidade pelo desastre dos últimos anos é dos governos petistas. Para além da corrupção, cometeram equívocos na política econômica que causaram uma crise sem precedentes; na política, trataram de forma injusta e inaceitável os opositores; e alimentaram o “nós contra eles” na sociedade. Exemplo evidente foi a campanha eleitoral de 2014, com ataques despropositados a oponentes e propaganda enganosa aos eleitores. Isso não significa que só houve erros, sendo necessário distinguir a gestão Lula, que deixou um legado, da gestão Dilma.
Não só os governantes, porém, definem o destino de um país. Nos partidos da base governamental, viu-se um misto de oportunismo e complacência. Na oposição, omissão é o mínimo que se pode dizer. E quem não se lembra do “quanto pior, melhor”? Enquanto isso, segmentos do setor privado aproveitaram para se beneficiar com a expansão do Estado patrimonialista, enquanto irrigavam a campanha de 2014, mesmo com a crise já anunciada. Também tem a fatura das instituições de controle que falharam.
Os erros foram coletivos e fazem parte de nossa história e evolução. Não existe “passar o Brasil a limpo”. Como mirar o futuro se negarmos nosso passado? Precisamos compreender nossos erros e tirar lições para seguirmos adiante. Felizmente, esse aprendizado vem ocorrendo aos poucos e muitos se redimem.
Acreditar em vilões e salvadores da pátria não cai bem a um país que se pretende adulto. É importante apontar os equívocos alheios, mas também os acertos e, além disso, reconhecer as próprias falhas. Falta isso aos dois extremos da disputa.
Os candidatos à Presidência precisam ser cautelosos com o que plantam na campanha. Não é só defender a responsabilidade fiscal, mas também preservar o respeito aos opositores e seus eleitores. Alimentar a divisão da sociedade é contratar problemas futuros. Ataques despropositados que bloqueiam o diálogo poderão custar caro no esforço para aprovar reformas no próximo governo.
Será que conseguiremos dar o foco devido às propostas dos candidatos na campanha ou nos perderemos nos ataques de lado a lado? Qual candidato à presidência terá coragem de propor um discurso de tolerância em plena campanha, podendo ser acusado de fraco? Quem vai conseguir pacificar o Brasil? Acirrar os ânimos será ruim para todos, esquerda e direta. Há um país com muitos desafios a ser governado.
Fonte: “Estadão”, 12/04/2018