A insistência petista em manter a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva resultou ontem no registro do nome dele no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O Brasil se verá agora diante de um imbróglio jurídico inédito sua história democrática: um ex-presidente condenado e preso por corrupção, impedido legalmente de concorrer, acredita poder desafiar a lei até o limite, graças a sua popularidade.
“Só não serei candidato se eu morrer, renunciar ou for arrancado pela Justiça Eleitoral. Não pretendo morrer, não cogito renunciar e vou brigar pelo meu registro até o final”, escreveu Lula em comunicado enviado da cadeia em Curitiba, onde cumpre pena de mais de doze anos, imposta pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) na Operação Lava Jato.
Brigar “até o final” significa, na prática, entrar com todo tipo de recurso permitido pela legislação eleitoral, até ser obrigado a ceder e indicar o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad seu substituto na urna, já que a condenação em segunda instância, pelo TRF-4, torna a candidatura Lula ilegal, em virtude da Lei da Ficha Limpa.
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Pouco depois de registrada, a candidatura Lula foi contestada pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e por ações individuais. O ministro Luís Roberto Barroso será o relator do pedido de registro, enquanto o ministro Admar Gonzaga relatará os de impugnação.
O primeiro capítulo na novela jurídica será o julgamento de todos os pedidos pelo plenário do TSE. O prazo-limite é 7 de setembro, mas o tribunal tem intenção, no caso de Lula, de julgá-los antes do início do horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão, no dia 31.
Enquanto isso, o PT pedirá que Lula possa participar dos programas televisivos, debates e seja identificado como candidato petista. A valer a composição atual do TSE e o histórico dos ministros, nenhum dos pedidos deverá ser aceito, Mas a novela não terminará no julgamento pelo plenário do TSE.
Caso a candidatura Lula seja indeferida, caberá recurso ao próprio TSE ou recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal (STF). Outra possibilidade é os advogados do PT tentarem liminares no próprio STF ou no Superior Tribunal de Justiça (STJ), solicitando que a Lei da Ficha Limpa não seja aplicada no caso de Lula (na certa saberão criar um motivo).
Em qualquer desses cenários, os recursos levarão o julgamento definitivo ao plenário do STF. Em tese, liminares poderiam permitir uma candidatura Lula “sub judice” até o julgamento final e, caso ela fosse anulada, os votos ao PT seriam declarados inválidos. Mas esse não é um cenário realista. O mais certo é que o STF tome a decisão antes do prazo limite para substituir Lula por Haddad na urna, dia 17 de setembro.
A duas semanas do segundo turno, portanto, é possível que o PT ainda insista que seu candidato é Lula, mesmo sabendo que só pode ser Haddad. O risco da estratégia litigiosa para o próprio PT é evidente. Ainda assim, Lula acredita que manter o próprio nome em evidência até o limite, por meio do embate na Justiça, ajudará Haddad na reta final.
Até agora, o PT tem surfado na onda da perseguição judicial a Lula para recuperar a popularidade dele, abalada pelos escândalos de corrupção. Mantém bastiões eleitorais no Nordeste e nas parcelas de renda e escolaridade mais baixas, como constatou o cientista político Alberto Almeida em seu livro O voto do brasileiro. Mesmo que não estejam intactos, ainda são robustos o bastante para permitir antever um segundo turno com um petista, mesmo definido na última hora.
Por que, então, a estratégia do litígio até o limite? O que o PT ganha estendendo a fantasia da candidatura Lula, quando desde já poderia fazer campanha aberta (em vez de velada) por Haddad? À primeira vista, apenas Lula ganha. O PT, em virtude da desorientação eleitoral que divide o partido, deverá perder votos
Tentar transformar a eleição num plebiscito sobre a prisão de Lula tem uma lógica perversa. Em caso de vitória, Haddad fará de tudo para tirá-lo da cadeia, e Lula governará nos bastidores. Em caso de derrota, a narrativa da perseguição, acrescida dos capítulos eleitorais, prosseguirá incólume na fantasia petista, mantendo a militância engajada. Em nenhum dos dois cenários, o Brasil terá se livrado do lulismo.
Fonte: “G1”, 16/08/2018