*Por Gilberto Borça Jr. e Fabio Giambiagi
Durante o período de 2005 a 2018, a meta de inflação do regime brasileiro foi definida em 4,5% ao ano. Nos cinco primeiros anos, o regime funcionou “by the book”, com a inflação oscilando em torno desse nível e o Banco Central (BC) reagindo quando a taxa se afastava desse patamar. A inflação anual média do período foi de 4,7% ao ano. Já entre 2010 e 2014, no contexto do pós-crise internacional, o BC se manteve no intervalo superior de tolerância das metas inflacionárias, que era de 2 pontos percentuais. Dessa forma, a inflação anual média situou-se em 6,1% ao ano. Depois veio o “tarifaço” de 2015 e a troca de comando do Banco Central em meados de 2016, dando início à gestão atual.
Passada essa fase, no momento atual, parece haver condições de que a economia apresente, nos próximos anos, taxas de juros relativamente baixas, sem maiores pressões inflacionárias. Tal fato está condicionado, evidentemente, a que em 2019 não haja sobressaltos significativos no cenário internacional, e que a economia brasileira se beneficie dos efeitos da retomada do ciclo de reformas iniciado em 2016, com destaque para a aprovação de uma reforma previdenciária relevante.
Uma avaliação preliminar permitiria imaginar que a queda notável da inflação em 2017, quando o IPCA variou apenas 2,95%, se deveu ao comportamento da rubrica de alimentação no domicílio, cuja deflação foi 4,9%. Sem negar a relevância desse fenômeno, o objetivo deste artigo é argumentar que as raízes do processo desinflacionário brasileiro podem ser mais profundas. Ressalta-se a importância de cinco pontos:
i) A queda das taxas de inflação tem sido generalizada, atingindo não somente a inflação cheia, mas também a média das sete medidas de núcleos disponibilizadas pelo BC, que, entre 2016 e 2017, desacelerou de 6,2% para 3,2%, e nos últimos 12 meses completados em novembro continuou cedendo, atingindo 2,8%;
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ii) A inflação na margem, mesmo após algum repique em função da greve dos caminhoneiros de maio/2018, continua em trajetória benigna. O gráfico mostra a média das sete medidas de núcleo de inflação em bases trimestrais anualizadas e livres de influências sazonais. Nota-se que, até maio de 2018, os valores ficaram abaixo do piso de 3%, atingindo, posteriormente, a meta de 4,5% por conta dos efeitos temporários da paralisação. No entanto, nos últimos meses, seu arrefecimento sinaliza a volta dos núcleos para os níveis inferiores ao piso da meta inflacionária, atingindo também 2,8% em
novembro de 2018;
iii) Todas as medidas de hiato do produto (diferença entre o produto efetivo e seu potencial) disponíveis, conquanto divergentes em relação ao seu nível, apontam para uma ampla ociosidade, variando de -3,7% (cálculo do Ipea) até -6,4% (cálculo da Instituição Fiscal Independente) no 2ºtrimestre de 2018. Para o 3T/2018, estimativa mais recente disponível, feita pelo economista Braulio Borges da LCA Consultores e do Ibre-FGV, aponta para um hiato de -5,93% (Valor de 03/12/2018). Há, portanto, um largo espaço para recuperação da economia, sem que surjam pressões inflacionárias no futuro imediato. Além disso, todos os sinais emitidos pelo mundo real apontam, mesmo de acordo com os mais otimistas, para uma retomada ainda morna para 2019, a qual mesmo que atinja o ritmo de 2,5% a 3%, não será capaz de eliminar por completo a ociosidade existente na economia;
iv) A adoção do novo regime fiscal no Brasil, a partir de 2016, impõe o congelamento do gasto público, em bases reais, por um período de pelo menos 10 anos. Se efetivamente o teto de gasto for respeitado da maneira como vigora hoje, a razão entre gasto público e o PIB tende a ter uma trajetória declinante, permitindo uma queda duradoura da taxa de juros real de equilíbrio da economia brasileira;
v) Por fim, a nova diretriz do crédito direcionado, que passou a ter uma expansão bem mais comedida, atua no sentido de arrefecer a demanda agregada da economia, reduzindo de maneira estrutural a taxa de juros real de equilíbrio da economia.
O corolário desse conjunto de fatores já começa a ser capturado pelo mercado. Em meados de dezembro de 2017, a mediana do Boletim Focus sinalizava que a Selic começaria a aumentar a partir de dezembro de 2018, desde o nível de 6,75%, e que já em abril de 2019 alcançaria o patamar de 8%. Hoje, passada as incertezas que pairavam na economia em função da disputa eleitoral, as projeções para a Selic indicam um patamar mais baixo (6,50%) e sua manutenção nesse nível por um longo período de tempo, atingindo 8% apenas em janeiro de 2020 (Boletim Focus de 30 de novembro de 2018).
Nosso palpite é que esse movimento tende a se manter. Em breve, é possível que a mediana de mercado comece a apontar para uma Selic estável ao longo de todo ano de 2019. Aliás, já há importantes integrantes de mercado com essa perspectiva.
Em suma, há movimentos tectônicos acontecendo, aos quais convém prestar atenção. A dinâmica da inflação parece ter mudado no Brasil e, nesse novo regime, o juro neutro pode ser mais baixo. Assim, não se deve descartar um cenário no qual manter a política monetária em terreno estimulativo para acelerar a recuperação da atividade possa estar associado a novos cortes na taxa básica de juros.
Se a inflação, expurgada de elementos aleatórios e sazonais, está “taxiando” abaixo do piso da meta inflacionária, e as expectativas de IPCA continuam favoráveis, a questão que se coloca é: que fatores farão com que a inflação de 2019 seja pressionada em relação à de 2018, em um contexto de hiato elevado e inércia jogando a favor? Está difícil enxergá-los.
A chave do sucesso da economia brasileira no próximo governo estará na combinação de reformas e retomada do crescimento com liderança do investimento. Para isso, o comportamento dos juros no futuro será chave. Se a agenda de reformas for retomada, a tendência é que isso se reflita na queda do juro real de longo prazo que tipicamente se observa em países com economias estáveis.
Dessa forma, a economia brasileira pode estar diante de uma nova realidade, na qual há condições de termos um regime de inflação e juros baixos de maneira duradoura.
Fonte: “Valor Econômico”, 10/12/2018