Às vezes dá a impressão de que muitos deputados e senadores pensaram assim: “se os políticos já estão desmoralizados na opinião pública, se o povo já está irritado, se a Lava-Jato está na marcação, então a gente nem precisa mais fingir; agora é pagou, levou”.
Só isso explica a sinceridade com que muitos deles contam que podem votar a favor da reforma da Previdência em troca de cargos no governo federal ou verbas distribuídas pelo presidente Temer. Reparem: não se trata de votar um projeto de lei que cria, digamos, o Dia Nacional da Honestidade; trata-se da reforma mais importante para a solvência das contas públicas nas próximas décadas.
Pois se barganha se vale duas diretorias, uma superintendência de ministério ou uma presidência de estatal. Ou verba pública para comprar furgões com gabinete de dentista.
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Aliás, o presidente Temer deveria usar preferencialmente esse tipo de moeda. O deputado chega lá pedindo uma diretoria da Eletronorte. O presidente barganha e oferece a liberação de verba para a compra de caminhões de água para as regiões da seca; ou para aquisição de laboratórios para escolas da área eleitoral do político; e por aí vai. Tem muita coisa a oferecer, já que são tantas carências.
É claro que isso não é novo na política. Os riscos também são os mesmos: gabinetes dentários sem dentistas; ambulâncias sem médicos e sem hospital onde entregar os pacientes; caminhão de água sem gasolina e também por aí vai.
É, pensando bem, talvez uma diretoria de estatal saia mais barato, ainda mais agora que a Lava-Jato está em cima do pessoal.
É o que temos, pois o debate e o voto por princípios, por uma determinada visão da sociedade, estão em falta.
Considerem o PSDB. O partido, com méritos, na época de FH, colocou na pauta o tema da reforma da Previdência, parte de uma proposta mais geral de organização do Estado e das finanças públicas. Economistas ligados ao partido desenvolveram as mais importantes ideias nesse campo.
Pois então, o PSDB tem 46 deputados federais, que ainda estão discutindo como votarão nessa questão. O novo presidente da legenda, o governador paulista Geraldo Alckmin, conseguiu que o diretório nacional fechasse questão a favor da reforma. Mas não fixou penalidades para o parlamentar que desobedecer à instrução partidária.
Resultado: o pessoal do partido está achando que Alckmin terá feito muito e demonstrado máxima força se conseguir pelo menos 30 votos a favor da reforma. E os outros? Dizem que não querem votar a reforma porque isso fortaleceria Temer para as eleições de 2018 e, pois, enfraqueceria as pretensões presidenciais do PSDB. Mas o candidato tucano é o próprio Alckmin, que está pedindo votos para a reforma.
Aliás, esse movimento do governador paulista é interpretado como um gesto corajoso, de boa vontade e de visão mais larga. Até pode ser, dadas as circunstâncias, mas, caramba! pessoal, a reforma é tema do PSDB. Que o apoio ostensivo de Alckmin seja interpretado como ato ousado — eis um sinal dos tempos. Mau sinal.
Há outros. Como os parlamentares que dizem compreender a necessidade da reforma, mas que não podem votar porque eleitores estão contra. Também é de reparar: a reforma é necessária para o equilíbrio das contas públicas, o que vai liberar recursos para que o governo preste os serviços de saúde, educação, segurança etc. Ou seja, a reforma terá efeitos positivos para o povo. Se o parlamentar pensa assim, então deveria tentar convencer seus eleitores, em vez de simplesmente jogar a bola para a frente.
Na verdade, não há convicção nenhuma. Apenas cálculos para salvar o mandato.
Outros sinais aparecem nas negociações em torno das candidaturas presidenciais. O PSB, por exemplo, namora o ex-presidente do STF Joaquim Barbosa. Faz sentido. O PSB é socialista, o ministro do mensalão tem ideias mais à esquerda. Mas isso não quer dizer muita coisa, pois outra ala do PSB quer fazer aliança com Alckmin. Pois, o PSB é contra as reformas, contra as privatizações, mas há socialistas (?) pensando em aliança com Alckmin, que apoia reformas e privatizações. E que faz privatizações em São Paulo tendo como vice um membro do PSB.
O pessoal do PMDB considera perfeitamente natural ser o partido do presidente das reformas e, nos estados, fazer alianças com Lula, que também acha muito normal atacar o governo golpista e se aliar com os aliados dele.
Isso tudo para uma eleição que deveria ser tão importante.
Fonte: “O Globo”, 14/12/2017
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