Por Vinicius Carrasco e João Manoel Pinho de Mello, professores do departamento de economia da PUC-Rio e PhDs em economia pela Universidade Stanford.
O presidente do BNDES afirmou em recente palestra que a derrocada da OGX não dará prejuízo para o banco porque os empréstimos feitos à empresa contam com garantias que o protegerão contra perdas. Será que evitar o prejuízo é a régua para medir o sucesso de um banco de desenvolvimento?
Assimetrias informacionais abundam no mercado de crédito, tornando-o diferente da maior parte dos mercados. O credor sabe menos do que o tomador a respeito de sua capacidade e vontade de repagar um empréstimo. Os credores, então, acabarão por não financiar projetos que seriam financiados caso não houvesse assimetrias. Em outras palavras, elas farão com que a quantidade de empréstimos seja ineficientemente baixa, mesmo que os bancos compitam fortemente pelos clientes.
A existência de ineficiências no mercado de crédito justifica que um banco oficial dê empréstimos a juros subsidiados? Não!; por causa de um conceito econômico muito importante, mas pouco conhecido: eficiência restrita. Ela ocorre quando um governo preocupado com o bem-estar social, mas que se depare com as mesmas restrições que os agentes privados, é incapaz de reduzir as ineficiências por meio de subsídios ou impostos.
O subsídio barateia o crédito tanto para bons como para maus pagadores. Como consequência, não reduz assimetrias informacionais e, portanto, é incapaz de melhorar o resultado que o mercado produz (resultado, esse, que é eficiente restrito). O BNDES, sabendo o mesmo que os participantes privados sobre o projeto, não consegue “fazer” melhor. Ao tentar “vencer” o mercado, ele errará, na melhor das hipóteses. Será, portanto, deletério, mesmo que seus gestores sejam bem intencionados. Caso, como sói passar, sua atuação seja influenciada pelos agentes econômicos mais bem conectados politicamente, ou pelos mais aptos a fazer lobby, o resultado passa de deletério para desastroso.
Quando a atuação de um banco de desenvolvimento se justifica? Quando, ausentes intervenções, o resultado produzido pelo mercado não induza eficiência restrita. Isso pode ocorrer, por exemplo, quando há alguma forma de externalidade. Uma atividade gera externalidades positivas quando seus benefícios sociais vão além dos benefícios gerados para os agentes que a desempenham. Pesquisa e desenvolvimento geram externalidades positivas porque o conhecimento beneficia a todos, e não somente àqueles que o produziram. Pior: muitas vezes aqueles que produzem o conhecimento têm dificuldade de excluir os outros de usufrui-lo.
Nesse caso, há menos financiamento privado nessas atividades do que socialmente desejado, justificando a atuação do banco de desenvolvimento. Problemas de coordenação também podem gerar resultados que não são de eficiência restrita. Exemplo: a localidade X – a letra foi escolhida ao acaso – possui grande potencial para a indústria hoteleira. Não existindo acesso à localidade, o turismo não tem como prosperar e os hotéis não se instalam. Ausente o turismo, não há razão para que melhores estradas de acesso sejam construídas. A ineficiência impera. Nesse caso, o banco de desenvolvimento pode – usando as mesmas informações disponíveis para os agentes privados – resolver o problema de coordenação, aumentando a eficiência.
A prescrição é clara: intervir somente quando as alocações não induzirem eficiência restritas. E o BNDES não tem seguido a receita. Dois exemplos mais visíveis: 1- financiar, a taxas camaradas, a consolidação do mercado de frigoríficos, criando um grande frigorífico nacional. Por que os agentes privados não financiariam a consolidação eles mesmos? Não há externalidade ou problema de coordenação. As empresas envolvidas se apropriaram de todos os benefícios da consolidação. Pior: a fusão criou uma estrutura de mercado mais concentrada, aumentando o poder de mercado e, consequentemente, diminuindo o bem estar dos consumidores. Ou seja, o BNDES financiou um projeto com valor presente líquido social negativo. 2- embora a OGX não tenha dado prejuízo para o banco ainda, é evidente que não se tratava de atividade com externalidades ou problemas de coordenação. Se ela era percebida a priori como lucrativa, suas atividades poderiam e deveriam ter sido financiadas inteiramente com recursos privados.
Ao dar crédito subsidiado para atividades que não o justificam, o BNDES distorce a alocação de recursos na economia: mais capital do que o socialmente desejável é alocado às atividades. O subsídio induz uma cunha entre a produtividade (marginal) do capital entre diferentes setores. Peter Klenow, da Universidade Stanford, estabelece empiricamente que essa forma de distorção reduz bruscamente a produtividade agregada, por uma razão simples: seria melhor alocar capital a setores para os quais sua produtividade é maior. Como o crescimento de longo-prazo só pode vir de aumentos de produtividade, a atuação do BNDES terá impacto negativo sobre o desenvolvimento econômico; o oposto do mandato do Banco. Os mais cínicos dirão que a intenção do governo era usar o BNDES para implantar políticas de transferências de renda. Teria sido desejável, no entanto, que os mais pobres tivessem sido o alvo dessas políticas.
Essas são apenas algumas dimensões que devem ser consideradas numa avaliação das políticas recentes do BNDES. Teremos a sorte de contar com uma análise extensa e profunda de todas as dimensões relevantes. Em Leviathan Evolving: New Varieties of State Capitalism in Brazil and Beyond, Sergio Lazzarini, do Insper, e o brasilianista de Harvard (e amigo de longa data) Aldo Musacchio nos educarão com fluência sobre o assunto.
Fonte: “Valor Econômico”
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