Impressiona-me o crescente espaço destinado à informação negativa. A autoestima do brasileiro está lá em baixo. Nós, jornalistas e formadores de opinião, contribuímos com essa visão sombria quando ficamos reféns de pautas superficiais. A vida é feita de luzes e sombras. É preciso mostrar as chagas. Mas também é necessário iluminar a cena.
Cerca de 70 milhões de brasileiros com 16 anos ou mais deixariam o país se pudessem, mostrou recente pesquisa Datafolha. O número representa 43% da população total do país. O porcentual chega a 62% quando são consideradas somente as pessoas que têm de 16 a 24 anos. Ao todo, 19 milhões de jovens afirmam que, se tivessem opção, sairiam do Brasil.
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Entre os fatores que explicam o desejo estão a maior facilidade para se mudar e a frustração com o país. O êxodo, brutal no curto prazo, não significa uma ruptura afetiva com o Brasil. No médio prazo, o país pode ganhar profissionais mais bem formados.
A pesquisa, no entanto, é um soco em todos nós. Que Brasil estamos ofertando para as gerações que nos sucedem? Os problemas estão gritando na nossa frente: corrupção, crise econômica e perigosa agonia da política. Mas o pior legado, de longe, é a morte da esperança. O jornalismo de catástrofe é o grande propagador das fake news. Mostra um país em lá menor e oculta o Brasil que madruga, trabalha, empreende e dá certo.
É preciso recuperar o equilíbrio entre a informação de denúncia, urgente e necessária, e o jornalismo construtivo. É o que farei neste breve comentário. Vou focar num serviço público de qualidade: o Poupatempo.
O Programa Poupatempo, criado em 1997 pelo então governador Mário Covas para facilitar a vida dos cidadãos paulistas, completou 20 anos com índice próximo de 100% de aprovação dos usuários (98,3% de “ótimo” e “bom” na última pesquisa anual, divulgada em março deste ano). Das 72 unidades, 24% tiveram 100% de “ótimo” e “bom” e 20 tiveram 99%.
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Desde a sua fundação, o Poupatempo prestou mais de 580 milhões de serviços; o número é mais que o dobro da população total do Brasil e 12 vezes a do estado de São Paulo. Este ano, o Poupatempo foi eleito pelo quarto ano consecutivo o melhor serviço público de São Paulo pelo instituto Datafolha.
Ao completar duas décadas, o Poupatempo passa por uma verdadeira revolução tecnológica, buscando o caminho trilhado pelos bancos brasileiros, ou seja, criando canais eletrônicos de atendimento que deem mais comodidade a quem necessita dos serviços, dispensando o cidadão da necessidade de deslocamentos. Com a tecnologia, muitas questões já podem ser resolvidas por aplicativos ou pela internet. Isso não beneficia apenas o público, mas também o governo, que pode usar os recursos dos impostos com mais eficiência.
Um levantamento feito pelo Instituto de Identificação da Polícia Civil de São Paulo, a pedido do Poupatempo, mostra que 504 idosos com mais de 100 anos renovaram o RG nos últimos dois anos nos postos Poupatempo. Em 2015, uma cidadã de 115 anos esteve no Poupatempo Pindamonhangaba para renovar o RG. Maria Benedita Pereira da Silva, conhecida em Aparecida como Dona Dita, nasceu no dia 9 de agosto de 1900 e acompanhou, ao longo da vida, uma virada de milênio, duas guerras mundiais e oito trocas de moedas brasileiras.
É isso, amigo leitor. O Brasil do corporativismo, da impunidade do dinheiro e da força do sobrenome vai, aos poucos, abrindo espaço para a cultura do trabalho, da competência e do talento.
Neste Brasil sacudido por uma tremenda crise ética, alimentada pelo cinismo e pela mentira dos que deveriam dar exemplo de integridade, há, felizmente, uma ampla classe média sintonizada com valores e princípios que podem fazer a diferença. E nós, jornalistas, devemos escrever para a classe média. Nela reside o alicerce da estabilidade democrática. O que segura o Brasil é o cidadão comum. É o trabalho honrado e competente. É o empreendedorismo que consegue superar o terreno minado pela incompetência. É o empresário que toca o negócio e não dá propina. Sou otimista. Apesar de tudo.
Fonte: “Gazeta do Povo”, 01/07/2018