Continuo a escrever sobre a tempestade financeira estadual, pelas suas inúmeras faces e porque as pessoas não parecem ter ainda acordado para a sua enorme gravidade.
Lembro que na raiz está o elevado déficit da previdência de seus servidores, que explodiu mais recentemente e tende ainda a crescer de forma acelerada nos próximos 20-30 anos. Do outro lado está o crescente encolhimento da capacidade de financiar esses déficits, pelo predomínio cada vez maior de todo-poderosos no interior dos orçamentos. O Rio sofreu ainda os efeitos deletérios da queda do preço externo do petróleo sobre suas receitas de royalties, que desabaram de R$ 8,7 a 3,5 bilhões anuais entre 2014 e 2016.
Notem que o buraco previdenciário médio anual do Rio havia caído de R$ 706 a 50 milhões, entre 2003-06 (Rosinha Garotinho) e 2007-13 (Sérgio Cabral), mas depois pulou para R$ 6,4 bilhões em 2014-18 (Pezão-Dornelles), após subir gradativamente até os 10-11 bilhões dos dias de hoje, algo chocante. Ou seja, nos cinco anos de um único mandato, o atual governo terá de mobilizar cerca de R$ 32 bilhões para pagar sua previdência, em contraste com o déficit de R$ 2,8 bilhões acumulado na gestão Rosinha e de R$ 350 milhões, na gestão Sérgio Cabral. Tarefa hercúlea.
Por outro lado, descobri que os “donos do orçamento” — que têm fatias fixas ou crescentes do orçamento total, totalizando 70,1% da receita corrente total líquida de transferências (RCTLT) em 2015 — pouco pagam de sua própria previdência. E, em todos menos um caso (simplesmente porque se refere ao “serviço da dívida”), são compostos basicamente de gastos com pessoal ativo. Ou seja, trata-se do domínio de grandes corporações de servidores públicos, nas áreas de Educação, Saúde, Segurança Pública, do Judiciário, Legislativo, Ministério Público, Tribunal de Contas, e da Defensoria Pública. Assim, após pagar aos “donos”, não há saldo que dê conta de conciliar o financiamento do déficit acumulado nas previdências com as despesas dos “primos pobres” — secretarias menos poderosas onde predominam os investimentos, além do gasto com o pessoal ativo menos organizado e outros custeios.
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Nesses termos, os restantes 29,9% da receita teriam ainda de cobrir, no Rio, a já citada despesa previdenciária (24,3% da RCTLT); pessoal ativo (5,7%), investimentos mínimos (11,3%) e outros custeios (8,8%) das secretarias menos poderosas, totalizando não menos que 50,1% da RCTLT. Assim, mesmo tendo conseguido captar empréstimos ao redor de 12,3% da receita (turbinado pelos Jogos), o estado encerrou o ano de 2015 com o elevado déficit orçamentário de 7,9% da RCLT (29,9 mais 12,3 menos 50,1 = -7,9).
Para completar as agruras dos atuais gestores, falta falar que explodiu exatamente em seu mandato a mais longa e profunda recessão de nossa história, sob a qual o Rio teria perdido cerca de R$ 23 bilhões em 2015-18, comparando a receita tributária efetiva com a que teria ocorrido se tivesse havido crescimento da receita similar à média observada em 2002-14.
Notem ainda que essa dramática situação só não havia aparecido antes porque, em adição, a União resolvera autorizar empréstimos de valor expressivo aos estados, tendo o Rio captado em média R$ 5 bilhões em 2002-15, média essa que caiu para apenas R$ 1,7 bilhão em 2016-17.
O efeito dessa tempestade perfeita sobre os déficits orçamentários fluminense tem sido devastador. Em bilhões de reais, passaram, no atual mandato, a 4,3 em 2015; 10,1 em 2016; e 5,7 em 2017. Segundo previsão do orçamento aprovado na Assembleia Legislativa, passariam para R$ 10,6 bilhões em 2018, em que pese o programa de ajuste conjunto com a União.
Em grande medida, a União tem feito vista grossa para a crise estadual. Ignorou fatores como os indicados anteriormente e simplesmente atribuiu aos governadores a pecha de má gestão. Nisso se esqueceu, inclusive, do fato de vir financiando seus próprios e gigantescos déficits via emissão de moeda. Após muita pressão, acabou aprovando um programa de recuperação de curto prazo, que só se encaixa nos parâmetros específicos do Rio, estado este que, no entanto, ainda pena para cumprir as exigências de todas as leis que disciplinam os fins de mandato.
Diante da perspectiva de atrasos significativos de pagamentos, sugiro que tanto este estado quanto os demais sob calamidade financeira explicitem esse problema com a maior clareza possível para suas populações, e passem a pôr em prática, como principal remédio, um plano de equacionamento de sua previdência nas linhas que venho sugerindo há algum tempo e pretendo sintetizar em minha próxima coluna, única saída sustentável à mão.
Fonte: “O Globo”, 09/07/2018