Em tempos de eleições, costuma circular a ideia de que precisamos escolher entre o candidato dos pobres e o candidato do mercado. O primeiro ajudaria os mais necessitados contra a vontade dos ricos; o segundo beneficiaria empresários à custa de direitos dos trabalhadores.
Esse pensamento não só é uma falsa dicotomia como uma impossibilidade lógica. Não existe candidato somente dos pobres ou somente do mercado.
Aquele que prejudicar o mercado automaticamente prejudicará os pobres. Se um presidente perseguir e afugentar investidores, vai evitar que empresas e vagas de trabalho sejam criadas no país. Poucos vão tomar a decisão de abrir negócios por aqui. A menor demanda por trabalho impedirá que os salários subam –os pobres terão que se contentar com empregos mal pagos.
Já um bom candidato do mercado, que dá segurança e previsibilidade sem distribuir privilégios a amigos e apoiadores, quase sempre gera crescimento econômico e ascensão social. Será o candidato dos pobres mesmo se não ligar a mínima para isso.
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É difícil falar em candidato do mercado porque não há uma vontade única nessa área. O que costumamos entender por “mercado” é a reunião de milhões de pessoas interessadas em trocar bens e serviços. Nessa reunião há desejos dos mais divergentes.
Empresas com muito dinheiro em caixa lucram com a alta da taxa de juros, pois o rendimento sobre o capital aumenta. Já empresas endividadas se valorizam quando os juros sobre a dívida caem.
Exportadoras de grãos ou de celulose se valorizam com a alta do dólar, enquanto importadoras perdem. Fabricantes de resinas plásticas (como a Braskem) se beneficiam de barreiras alfandegárias: com menor competição, podem cobrar mais caro. Já fabricantes de embalagens (compradores das resinas) defendem uma abertura comercial que derrube o preço da matéria-prima.
Seria um interesse do mercado tornar os pobres ainda mais pobres? Talvez para empresas exportadoras com muitos funcionários. Pagariam pouco aos trabalhadores sem ter que se preocupar com a demanda, pois seus clientes são estrangeiros. Mas o empobrecimento dos cidadãos não seria interessante para as varejistas, por exemplo, que lucram com o consumo do mercado interno e o enriquecimento da classe C.
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Os pobres, do mesmo modo, não têm vontade única. Trabalhadores produtivos, especializados e que estão firmes num emprego torcem por mais e mais reajustes e benefícios. Só têm a ganhar com 13º ou 14º salários, reajustes acima da inflação e multas por demissão. Mas quem é pouco qualificado e está à procura de um emprego se beneficiaria se abrir vagas fosse mais fácil e barato para os patrões.
A ideia do conflito irreconciliável entre as classes, segundo a qual um lado precisa perder para o outro ganhar, ainda vigora em cursos de Ciências Humanas e na boca de candidatos a presidente. Mas não faz o menor sentido.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 22/08/2018