Em geral, tanto nos meios acadêmicos e governamentais, como naquilo que extravasa para a opinião pública em função do que é debatido naqueles meios, tende a se considerar que o país com melhor desempenho em termos de crescimento na América Latina nos últimos 20 anos foi o Chile. O objetivo deste artigo é chamar a atenção para o sucesso do caso peruano.
Atribui-se a Guimarães Rosa a frase de que “o Brasil e a América Latina são como dois irmãos xifópagos, que unidos pelas costas não conseguem ver seus rostos”. Como o resto da América Latina compreende muito pouco o “gigante latino-americano” para além do folclore que nos cerca, enquanto que nós, em geral, somos bastante ignorantes em relação ao que ocorre no continente — tirando certo conhecimento sobre o que acontece na Argentina —, talvez a leitura destas notas traga algum benefício ao leitor.
O fato é que o país que mais cresceu desde meados da década de 1990 no continente não foi o Chile, e sim o Peru. Nas estatísticas do FMI, no período 1995/2017, enquanto que o que nas suas tabelas ele denomina de “Hemisfério Ocidental” cresceu em média apenas 2,7% a.a., o Chile o fez a uma média anual de 4,2 %, enquanto o Peru teve uma expansão anual maior, de 4,6%. Cabe lembrar que nessa comparação os grandes Brasil e Argentina ficaram mal na foto, com um crescimento médio do PIB de 2,3% e 2,2% a.a, respectivamente.
Lembremos que o Peru era a própria expressão do caos no começo da década de 1990, com a herança catastrófica do primeiro Governo Alan García, o flerte com a hiperinflação e áreas importantes do país dominadas pelo Sendero Luminoso, que tinha se convertido numa organização que combinava traços doentios de delírio político com a bandidagem pura e simples.
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Foi nesse contexto que Fujimori venceu as eleições em 1990 inaugurando uma nova etapa da política peruana. Tendo dado um “cavalo de pau” na política, implantando o programa defendido pelo adversário derrotado nas urnas — o escritor Vargas Llosa —, Fujimori se notabilizou pela adoção de medidas autoritárias e concluiu seu governo com um elevado questionamento à sua pessoa, a ponto de ser preso sob a acusação de diversos tipos de irregularidades. Ele acabou ficando dez anos no poder e foi substituído por um breve interregno de 8 meses por Valentín Paniagua, no final do ano 2000 e primeira metade de 2001. A partir de meados de 2001, o Peru teve a passagem de mando a cada 5 anos, com as posses de Alejandro Toledo em 2001, novamente Alan García (praticando uma gestão completamente diferente da experiência original dos anos 80) em 2006, Ollanta Humala em 2011 e, finalmente, Pedro Pablo Kuczinsky em 2016, posteriormente derrubado por um escândalo de corrupção, mas com uma sucessão inteiramente constitucional.
A inflação média do Peru de 2001 a 2017 foi de apenas 3,1% a.a. e, pelos dados da Cepal do Balanço Preliminar da América Latina e o Caribe, o déficit fiscal médio de 2013/2017 foi de apenas 1,5% do PIB, contra 2,1% do Chile; 2,7% do PIB do México; 4,2% da Argentina; 2,9% da América Latina como um todo; e números constrangedoramente altos, que flertaram com valores na faixa de 9% a 10% do PIB até recentemente, no caso do Brasil.
Ainda de acordo com a mesma fonte (Cepal), o Peru em 2017 tinha uma dívida bruta do setor público não financeiro de apenas 23% do PIB, contra 41% do PIB da América Latina; sendo 31% no caso do Chile; 47% do México; 54% da Argentina; e 74% do Brasil.
Finalmente, o investimento do citado país em 2017 foi de 20% do PIB, acima dos 18% da região da América Latina; dos 17% da Argentina; e dos constrangedores 15% recentemente divulgados pelo IBGE para o Brasil.
Em síntese, o Peru, assim como o Chile, é um exemplo de como políticas econômicas sadias, baseadas no respeito ao equilíbrio econômico, com austeridade fiscal, políticas anti-inflacionárias tendentes a perseguir metas baixas de inflação e ambiente amigável aos negócios, geram bons dividendos em matéria de crescimento.
Fonte: “O Globo”, 15/01/2019