Aparentemente a Câmara, seja antes do recesso —isto é, até o dia 17 de julho— ou no terceiro trimestre, irá aprovar a reforma da Previdência com um texto próximo do relatório cuidadosamente preparado e negociado por meu xará Samuel Moreira, deputado pelo PSDB de São Paulo.
Esse desfecho, como bem lembrou Fernando Schüler em excelente coluna, não era esperado pelos analistas, entre eles este colunista.
O que se esperava é que o presidente, sabedor das regras de funcionamento do presidencialismo de coalizão, iria gerir o sistema da forma tradicional: construir uma coalização ampla em torno de uma agenda reformista mais liberal na economia.
A construção da coalizão implicaria o compartilhamento de poder, inclusive na construção do gabinete de ministros, com os partidos aliados.
O presidente escolheu outro caminho. Considerou que a operação tradicional de nosso sistema seria operar segundo a “velha política”, o que o levaria, após o fim do mandato, a “ir jogar dominó na
prisão com os ex-presidentes”.
Minha avaliação é que, no capítulo da Previdência, ele foi bem-sucedido. A surpresa negativa na atividade econômica no início do ano fez o Congresso sentir o peso da responsabilidade de manter o país mais tempo parado à espera da reforma. Há, é verdade, um pouco de velha política com a liberação das emendas.
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A grande dúvida é o dia seguinte à aprovação da reforma. O que nos espera?
Schüler é pessimista. Nosso regime é presidencialista. Os presidentes Rodrigo Maia, da Câmara, e Davi Alcolumbre, do Senado, não têm os instrumentos para fazer a agenda andar.
Teremos provavelmente diversas agendas. Sem a coordenação e a liderança da Presidência da República, é possível que no dia seguinte tenhamos paralisia decisória. Ou aprovação de medidas menores que não recolocam o país em trajetória de crescimento sustentado.
A aprovação da reforma terá efeito sobre as expectativas e poderá ter alguma influência sobre investimento e crescimento.
Mas será tênue. Não produzirá apreciável redução da taxa de desemprego. Para que ela caia expressivamente, a economia precisa rodar alguns anos a 3%. A aprovação da reforma não colocará a economia nesse patamar.
Há pautas que talvez andem. Por exemplo, me parece que há interesse do Congresso Nacional em levar adiante o projeto do deputado Baleia Rossi (MDB-SP) da reforma tributária.
Esse projeto terá, no médio prazo, enorme impacto sobre o crescimento econômico. Será necessário negociar uma alternativa para a Zona Franca de Manaus e uma alternativa para política de desenvolvimento regional.
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Talvez o Congresso Nacional construa esse consenso mesmo sem a liderança da Presidência da República.
Assim, as incertezas são imensas. Para a coluna e para os políticos. O dia seguinte será construído no dia
seguinte. Ainda não há plano.
Ou seja, haverá ao menos uns meses de paralisia decisória até o sistema político se reposicionar de acordo com os impactos da reforma sobre o funcionamento da economia e suas implicações
para a política em 2022.
—
Na semana passada, escrevi que Eugênio Gudin, engenheiro e introdutor do ensino de economia no Brasil, viveu o primeiro quartel de sua vida no século 19. Gudin nasceu em 1886. Viveu 14 anos no século 19, e não 25. Agradeço a Gilberto Maringoni (bit.ly/2RHzxrz) por apontar o erro.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 30/06/2019