A ascensão de uma liderança populista —mais bufão que extremista— como Boris Johnson causa alguma perplexidade. Como parlamentares que expressam preferências minoritárias na sociedade chegam ao poder em democracias estáveis? Como governam?
Há duas variáveis explicativas em jogo: o sistema de governo e o sistema partidário.
No parlamentarismo britânico, se um partido é majoritário no Parlamento, seu líder torna-se primeiro-ministro(a). Torna-se, segundo Adam Przeworski, um ditador parlamentar, porque sua agenda, por definição, contará com apoio majoritário.
Mas, se o sistema é multipartidário, executivos minoritários precisam montar coalizões, pois são potencialmente vulneráveis a moções de desconfiança. Se elas não ocorrem, é porque alguns partidos os toleram, como é comum na Escandinávia. Executivos populistas minoritários são oxímoros. Falam pela maioria sendo minoria, e tendo que barganhar apoio legislativo. Esse é o arranjo institucional que permite maior contenção do populismo.
Mas, ao contrário dos presidentes, mesmo os primeiro-ministros majoritários, como Johnson, não têm mandato fixo. Sua sobrevivência dependerá dos humores da opinião pública, como ocorreu com Thatcher após a revolta contra o Poll Tax. Uma agenda extremista enfrenta resistências intransponíveis (embora cada vez menores) no partido e na sociedade.
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Presidentes populistas em contextos multipartidários enfrentam o dilema de como conciliar a retórica antissistema com a necessidade de formar maiorias para aprovar sua agenda. A relação do presidente com o Legislativo pode ser conflituosa e gerar paralisia, mas existem também incentivos para a formação de maiorias.
Como populistas chegam lá? As regras eleitorais importam. Elas explicam por que não há partidos populistas nos EUA ou na Inglaterra, mas apenas lideranças individuais populistas, que chegam ao poder através de disputas intrapartidárias em agremiações moderadas. Isso deve-se ao fato de que nesses países adota-se o “voto distrital” (sistema majoritário de distrito uninominal) que produz o bipartidarismo e elimina partidos extremistas.
Na realidade, muitos defenderam essa regra eleitoral como vacina contra o extremismo. Muitos, como Hans Kelsen, culparam a representação proporcional pela ascensão do nazismo —argumento que influenciou a introdução do sistema misto na Alemanha.
Líderes populistas dentro de partidos moderados têm menor potencial disruptivo que partidos populistas. Ironicamente, a via personalista é a que prevaleceu nas democracias mais estáveis da história, as anglo-saxônicas. A razão é institucional: a regra eleitoral.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 29/07/2019