Depois de entrevistado pelos acadêmicos da Universidade de Chicago que pretendiam contratá-lo em 1995, o economista Richard Thaler, recém-premiado com o Nobel, saiu para almoçar com os colegas. “Vi uma nota de US$ 20 na calçada, logo na saída do prédio. Naturalmente peguei — e todos começaram a rir”, conta Thaler em Misbehaving (lançado em Portugal como Comportamento inadequado). O motivo das gargalhadas era uma anedota célebre naquela universidade, considerada uma espécie de meca da ortodoxia liberal. Nenhum economista de Chicago pegaria uma nota dessas do chão, diz a anedota, pois sabe que ela não é real. Se fosse, alguém já teria pegado, pois dinheiro não fica sentado no banco do jardim, certo? Não para Thaler: “Para um herético como eu, aqueles 20 pareciam reais o bastante”.
A história resume bem como as ideias dele — e da escola classificada sob o rótulo da “economia comportamental” — eram recebidas na academia. Pareciam anedotas, embora fossem tão verdadeiras quanto aquela nota de 20 ali no chão. Nasceram não nos departamentos de economia, mas no trabalho dos psicólogos israelenses Amós Tversky e Daniel Kahneman, que estudaram como nos iludimos ao tomar decisões (Amós morreu de câncer em 1996; Danny ganhou o Nobel sozinho em 2002). Thaler foi o primeiro e mais destacado discípulo dos dois a ter rigorosa formação econômica. Aos poucos, trabalho após trabalho, a economia comportamental conquistou não apenas Chicago, mas todo centro de pesquisa que se preze. “Com Thaler, agora somos uns 6% de todos os prêmios Nobel”, escreveu Robert Shiller, outro da escola já chamado a Estocolmo. A principal contribuição deles foi ter contestado, com êxito, o pilar central sobre o qual se apoiava o edifício econômico no pós-guerra: a hipótese de que, ao lidar com questões relativas a dinheiro, sempre tomamos escolhas racionais, com o objetivo de maximizar nossos ganhos.
Por meio de dezenas de experimentos, Thaler demonstrou que o Homo economicus que age racionalmente, chamado por ele de “economo”, não passa de uma fantasia. Temos mais aversão à perda que amor ao lucro. Separamos nossos recursos em compartimentos mentais que resistimos a misturar — ninguém gosta de tirar da poupança para pagar aluguel. Consideramos injusto que empresas aumentem preços na hora de maior demanda – ninguém quer pagar mais caro pelo guarda-chuva no temporal. Somos não “economos”, mas humanos, sensíveis a outros fatores além de benefícios monetários. Thaler investigou a influência de tais fatores nas decisões sobre planos de aposentadoria, no leilão dos jogadores de futebol americano e até na distribuição das salas entre os economistas de Chicago. “Humanos se comportam de modo inadequado, isso significa que os modelos econômicos fazem muitas previsões erradas, que podem ter consequências sérias”, afirma.
Duas dessas consequências têm maior relevância. A primeira diz respeito aos preços no mercado financeiro. De modo simplificado, uma hipótese formulada nos anos 1960 por Eugene Fama, depois verificada por Lars Hansen, sustenta que, assim como não há notas de 20 dando sopa na calçada, nenhum operador pode, sozinho, derrotar o mercado. Só que a realidade desmente essa lógica. Não só nas ruas. Ao prever, com base na autoconfiança dos operadores, as duas últimas bolhas financeiras (a tecnológica e a imobiliária), Shiller demonstrou furos na hipótese, popularizou o conceito de “exuberância irracional” e dividiu o Nobel com Fama e Hansen em 2013.
A segunda consequência, nas políticas públicas, está relacionada ao trabalho de Thaler. Se você acompanha o debate econômico pelos jornais brasileiros, pode ter a impressão de que existe uma disputa renhida na academia entre ortodoxos e heterodoxos, liberais e keynesianos, os primeiros com fé nas escolhas individuais e no mercado, os segundos a clamar por intervenção estatal e gastos públicos. Mas essa é uma discussão superada — os liberais venceram. O debate moderno sobre o papel do Estado envolve o conceito de “nudge”, ou empurrãozinho, definido por Thaler como uma pequena intervenção que, ao alterar a arquitetura de escolhas à disposição do cidadão – sem jamais limitá-la —, favorece a sociedade. O melhor exemplo, descrito no best-seller “Nudge”, de Thaler com o jurista Cass Sunstein, é a mosquinha pintada nos urinóis do aeroporto de Schiphol, em Amsterdã. Só isso reduziu em 80% a necessidade de limpeza nos banheiros masculinos. “Há outras formas de tornar mais fácil à maioria tomar boas decisões, sem forçar ninguém a fazer nada?”, pergunta Thaler. Há. Os exemplos envolvem doações de órgãos, planos de Previdência e medidas já adotadas em mais de 136 países, que Thaler classifica como “paternalismo libertário”. Não são a mesma coisa que estatismo ou intervencionismo — e, como a economia comportamental, deveriam ser estudados por todo governo que se preze.
Fonte: “Época”, 15/10/2017.
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