A que veio o ministro Sérgio Moro? Eis a pergunta que inquieta os brasileiros. Desde que pegou o avião de Curitiba para Brasília e aceitou o ministério da Justiça e da Segurança Pública, Moro acumula uma sucessão de derrotas, sem fazer andar a agenda anticorrupção que o alçou ao cargo.
Discreto, saiu-se ontem com um lamento diante da cena grotesca da assinatura do decreto, subscrito por ele próprio, ampliando de modo oportunista e irracional o porte de armas:
– Não tem a ver com a segurança pública. Foi uma decisão tomada pelo presidente em atendimento ao resultado das eleições.
Enquanto Bolsonaro assinava o decreto, o grupo de engravatados que o cercava fazia o gesto de “arminha na mão” popularizado na campanha eleitoral. Um Moro envergonhado permanecia sentado, as mãos batendo palmas protocolares, o olhar desconsolado, incapaz de esconder a decepção.
Não é para menos. O decreto de Bolsonaro garante às categorias mais estapafúrdias – políticos, advogados, agentes de trânsito, caminhoneiros ou jornalistas – o direito a portar armas. Podem carregar em seus coldres até 5 mil tiros anuais em armas convencionais ou mil nas de uso restrito (antes eram 50 para ambas).
Que tipo de “cidadão de bem”, para usar a expressão consagrada, precisa dar 5 mil tiros? Até crianças, autorizadas pelos pais, poderão treinar com armas de verdade em estandes de tiro. Obviamente a constitucionalidade do decreto já é contestada por diversos juristas. Dificilmente passará ileso por um Congresso cuja pluralidade reflete não os devaneios bolsonaristas, mas a realidade da sociedade brasileira.
A noção de que o tipo de autorização dada por Bolsonaro na terça-feira aumente a segurança é desmentida por todos os estudos acadêmicos sérios. Tal realidade só escapa a quem despreza o conhecimento em nome de crenças ideológicas. Não parece ser o caso de Moro, como sua própria frase demonstra perfeitamente.
Haveria formas de reduzir restrições ao porte de armas, bandeira de campanha de Bolsonaro, sem aumentar a insegurança? Provavelmente. Era um dos desafios que Moro teria de resolver como ministro. Foi derrotado pela turma da “arminha na mão”, que convenceu Bolsonaro a incluir no decreto tudo o que queriam.
Moro acumula derrotas. Por pressão das hostes bolsonaristas, foi obrigado a revogar a contragosto a indicação de Ilona Szabó de Carvalho, uma das maiores especialistas brasileiras em segurança pública, como suplente de um conselho dedicado ao tema.
O projeto anticorrupção que Moro enviou ao Congresso foi engavetado para não atrapalhar a discussão da reforma da Previdência. Até agora, a agenda de combate à corrupção, essencial para levar Bolsonaro ao poder e Moro ao ministério, foi preterida em nome de todas as demais.
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Na comissão do Senado que discute a reforma administrativa, está prestes a se formar a maioria necessária para devolver o Coaf do ministério da Justiça ao da Economia. Responsável por investigar transações financeiras suspeitas, o Coaf foi essencial para desvendar os maiores escândalos de corrupção recentes. Nova derrota de Moro.
Ele correu um risco alto ao trocar o protagonismo e a liderança da Operação Lava Jato pela política. Em Brasília, acanhado e submisso, tem demonstrado que seu maior talento era mesmo de juiz. Sua aposta óbvia era uma vaga no Supremo, depois de acumular serviços prestados no combate aos corruptos. As regras do jogo político o pegaram no contrapé. Moro encolhe a cada dia. Poderá ficar sem o prêmio.
Não basta prender corruptos. O único modo eficaz de reduzir a corrupção é criar um arcabouço institucional confiável, capaz de reduzir incentivos ao crime, dissuadir políticos tentados pela ilegalidade e garantir investidores contra o risco de expropriação do capital. Como estudioso da Operação Mãos Limpas, Moro sabe que, do contrário, a corrupção volta mais forte a se incrustar no Estado.
A Operação Lava Jato oferecia ao Brasil uma oportunidade de dar o passo institucional que os Estados Unidos deram na virada do século XIX para o XX. Quase nada foi feito. Ao contrário, a reação tenta desfazer as conquistas dos últimos anos.
Moro, como ministro, é hoje mais responsável pelo recuo do que foi pelos avanços como juiz em Curitiba. Sem traquejo político, seu legado para o país poderá se resumir às palmas acanhadas diante de um espetáculo patético, que traduz à perfeição nossa tragédia.
Fonte: “G1”, 09/05/2019