Mais uma vez, retoma-se o debate sobre projetos de reforma tributária, com pretensões excessivamente ambiciosas.
Todos os sistemas tributários são imperfeitos, pois resultam de embates que envolvem conflitos de razão e de interesse nos Parlamentos. Não são maquetes ou aplicativos. Ao contrário, são modelos vivos que retratam a complexidade de relações econômicas e sociais numa sociedade.
Essa complexidade, por sua vez, é crescente, pois os sistemas tributários vão, ao longo do tempo, incorporando alterações – umas legítimas, outras não – que deformam a concepção original. A imperfeição e a complexidade, todavia, estimulam ideias voltadas para a refundação dos sistemas tributários, no contexto de uma idealização improvável e pouco útil.
Problemas existem e sempre existirão, o que pretexta uma ação contínua centrada em matérias estratégicas visando a eliminá-los ou mitigá-los. Os problemas do ICMS e do PIS/Cofins são sanáveis com mudanças cirúrgicas.
Há muitas razões contrárias a pretensões megalomaníacas de reforma tributária. Mudanças têm custos e riscos. Estabilidade normativa, no âmbito tributário, é um ativo relevante para a decisão sobre investimentos privados. Em entrevista à Veja (27/9), Eldar Saetre, presidente da Statoil (estatal norueguesa de petróleo), salientava que sua grande preocupação quanto à tributação brasileira era a imprevisibilidade. Acrescentou que, na Noruega, era alta a tributação da atividade petrolífera (78%), mas estável. Em entrevista ao “Financial Times”, veiculada no “Valor” (28/4), Warren Buffet, um dos maiores investidores do mundo, dizia: “As pessoas investem quando julgam que podem ganhar dinheiro, e não por causa da taxação tributária”.
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Além disso, há riscos para o erário e para o contribuinte. Toda mudança repercute em alíquotas e bases de cálculo, de forma não previsível e de modo diferenciado sobre os contribuintes.
No limite, grandes mudanças podem assumir caráter aventureiro. Enfim, sistemas, como o tributário, só se conhecem bem com massa real.
Em tudo, não se pode esquecer da nossa imorredoura vocação para copiar modelos de outros países construídos em circunstâncias peculiares e diferentes das nossas. É o servilismo cultural, polo oposto e igualmente medíocre da xenofobia no campo das ideias. O mais grave é que buscamos copiar modelos em franca obsolescência, como o Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
Enquanto isso, pouca ou nenhuma atenção se dá às nossas mais severas enfermidades tributárias: o burocratismo, a indeterminação conceitual e o processo tributário. A burocracia reina triunfante no sistema tributário. Suas pérolas são o cadastro múltiplo, as exigências de certidão negativa, a restituição de impostos, os óbices à compensação, etc.
É certo que indeterminação conceitual sempre haverá, demandando a intervenção esclarecedora da Justiça. Afinal, não existe um sistema de conceitos fechados. O que é condenável é o exagero.
Ainda não pacificamos conceitos como faturamento, receita bruta, indenização para fins tributários, dissolução irregular de empresas, responsabilidade solidária dos sócios, substituição tributária, planejamento tributário abusivo etc. É um absurdo. O processo, do lançamento até a execução, é um primor de morosidade e ineficiência.
Na União, os valores em discussão administrativa e judicial somados aos créditos inscritos em dívida ativa correspondem a mais que o dobro da arrecadação anual de tributos. Relatório produzido pelo Conselho Nacional de Justiça mostra que, dos impressionantes 80 milhões de processos pendentes na Justiça, cerca de 30 milhões dizem respeito à execução fiscal.
Ainda que contrarie a burocracia e a indústria da litigância, a urgente reforma consiste em debelar essas enfermidades tributárias. Mas ela não tem o charme do desenho de um novo, imprevisível e desnecessário modelo tributário. Recorro a Einstein: “É insanidade continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 05/10/2017.
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