O Brasil não consegue escapar do culto ao fetiche de produtos físicos. Fetiche pode ser definido como objeto cultuado por se atribuir a ele uma espécie de valor mágico ou sobrenatural. Na campanha eleitoral, muito se falou sobre uma suposta conspiração para entregar o petróleo do pré-sal para empresas estrangeiras. Não é verdade. A mudança feita na lei diz que, nos leilões de poços, caso a Petrobras não queira participar, será admitida a participação de capitais privados nacionais e/ou estrangeiros. Mesmo assim, os estatistas e nacionalistas passaram a denunciar a “entrega” da riqueza nacional aos estrangeiros.
Há, no mínimo, três bizarrices técnicas na posição contrária às concessões privadas. A primeira é que proibir a participação do capital privado no setor significa deixar o Brasil depende do fluxo de caixa da Petrobras, que está descapitalizada e endividada por ter sido saqueada e destruída por dois governos, seus executivos e empresários amigos. A Petrobras foi prejudicada pelo congelamento de preços dos combustíveis, pela desastrosa gestão administrativa e por ter sido usada como uma monstruosa fonte de corrupção.
Leia também de José Pio Martins:
Praxeologia, economia e o entendimento da ação humana
O que o governo não é
Dívida pública e privatização
A segunda bizarrice é a volta ao fetiche do umbigo. Ou seja, a idolatria do local onde caiu o umbigo do acionista da empresa concessionária. Se for no Brasil, está bem. Se for no exterior, deve ser rejeitado. Ora, a empresa concessionária vai operar no Brasil, produzir no Brasil, entregar parte do produto ao governo (seja pelo sistema de partilha ou pelo pagamento de tributos) e vai devolver as reservas para o governo após vencer a concessão. Onde está o risco?
A terceira bizarrice é idolatrar o petróleo no altar de santidade intocável, coisa que o Brasil já viu várias vezes nos últimos 100 anos, sempre com resultado desastroso. Nos anos 1920, o fetiche era o ferro, com a campanha nacionalista contra a participação de estrangeiros na produção de minério. Nos anos 1940, o fetiche era o aço, com a campanha nacionalista pela usina de Volta Redonda. O Brasil amargou prejuízos enormes em seu desenvolvimento com a onda de rejeição a capitais internacionais nesse setor.
Nos anos 1950, nasceu o fetiche do petróleo. Quando mandou o projeto de lei de criação da Petrobras ao Congresso Nacional, Getúlio Vargas não queria um monopólio estatal; ele queria uma empresa estatal sem monopólio, mesmo porque o país não dispunha de capitais suficientes para uma empresa estatal sozinha suprir o mercado nacional. Nos anos 1980, o fetiche foi a informática. A famigerada lei de reserva de mercado proibia a importação de computadores e de tecnologias estrangeiras, além de não permitir que o produtor estrangeiro viesse fabricar computadores no Brasil.
+ Marcos Cintra: Novo modelo de inovação
O país só não caiu num buraco de atraso total por duas razões: uma porque o contrabando abasteceu o mercado interno de informática; outra, pela ousadia do presidente Fernando Collor que, com uma canetada, revogou essa maluquice nacionalista. Nos anos 1990, voltamos ao fetiche do ferro, com a campanha contra a privatização da Companhia Vale do Rio Doce; aliás, vista em retrospecto, foi uma das mais acertadas privatizações já feitas.
Agora, em 2018, estamos de novo às voltas com o fetiche do petróleo, em situação pior do que nos anos 1950, pois o petróleo está ameaçado de desaparecer, não por falta de reservas, mas por obsoletismo diante de outros tipos de energia e novas soluções tecnológicas. Recentemente foi noticiado que somente uma empresa – a Tesla – vendeu 100 mil automóveis elétricos no Canadá, abastecidos em tomadas espalhadas pelo país, gratuitamente. Enquanto o petróleo caminha para ser substituído, estamos elevando-o à condição de santidade intocável.
O petróleo é um combustível fedorento, poluidor e de alto custo de exploração. Só se produz energia com… energia. O pré-sal pode ser pouco viável, pois está em altas profundidades, provoca alto consumo de energia e alto custo de extração. O mais bizarro é ver os que insistem na defesa de algo que vai morrer chamarem a si mesmos de “progressistas”. É o inverso: são atualizados com o passado, um passado que mais cedo ou mais tarde a tecnologia se encarregará de sepultar.
Fonte: “Gazeta do Povo”, 15/11/2018