É lamentável, mas não tem como não entrar no tema do desmonte do Estado do Rio de Janeiro, especialmente, quando o governo federal decreta a intervenção na segurança pública do Estado, nomeando um general para assumir o cargo de interventor.
Não sei qual será o resultado da ação, mas, no curto prazo, o máximo previsível é a bandidagem tirar um período sabático e esperar as tropas se retirarem. Afinal, a intervenção tem prazo previsto na Constituição, então, em algum momento acaba e aí é só descer para o abraço.
A crise no Rio de Janeiro é muito mais grave do que dar tiro ou não dar tiro, colocar tropas nas ruas ou não colocar tropas nas ruas. É um processo que vem se acentuando há mais de duas décadas, crescendo ano depois de ano em função do absoluto descaso das autoridades eleitas para o Estado e para o município em relação aos seus deveres de gestores da coisa pública.
Leia mais:
Oscar Vilhena: Colapso da segurança pública
J.R. Guzzo: Empulhação
O que se vê no Rio de Janeiro é a bandalheira correndo solta em todos os níveis de governo. A contrapartida é o desmonte sistemático do Estado e de sua capacidade de atuação. É por isso que tropa subir o morro não vai resolver nada. Tanto faz se é a polícia ou as Forças Armadas, o problema não está na eficiência dos homens encarregados das missões de campo. O problema passa pela ausência de tudo que o Estado deveria fornecer ao cidadão e que foi apropriado pelo crime organizado como forma de manter a ordem e o funcionamento das comunidades onde operam.
Quem dá atendimento médico e apoio social, mantém a ordem impedindo crimes brutais dentro das comunidades, garante o fornecimento de água, luz, gás e outros serviços não é o Estado, nem seus agentes, é o crime organizado e seu pessoal.
Os presidentes e mantenedores das escolas de samba não são amados por isso, são amados porque garantem o bem-estar mínimo da população da região. Além de oferecerem a escola de samba como bandeira da honra da comunidade.
Antonio P. Mendonça: Quando contratar seguro
O poder público não dá nada, exceto tiroteios que não resolvem a situação, mas apavoram os moradores e matam inocentes, vitimados pelas balas perdidas. É esta ausência do Estado que precisa ser repensada. Sem escola, saúde pública, assistência social, enfim, tudo o que o Rio de Janeiro não oferece aos moradores das comunidades, não tem o que fazer, o exército entrar em ação não terá mais sentido do que secar gelo num dia de verão. Não vai dar em nada. Não vai resolver nada. O crime vai retomar as áreas de seu interesse e o tráfico de drogas continuará o dono do Rio.
O que isso tem a ver com seguros? Tudo. Violência, destruição, saques, desrespeito à ordem encarecem e afastam o seguro das comunidades que ele deveria proteger. O Rio, hoje, é campeão de todas as estatísticas negativas que de uma forma ou de outra impactam a contratação de seguros.
O porcentual de policiais assassinados no Estado é muitas vezes mais alto do que o da média brasileira. A quantidade de vítimas de balas perdidas é muito mais alta do que a média brasileira. Os assassinatos também estão acima da média nacional. Com muito menos caminhões trafegando, os roubos de carga no Rio de Janeiro já ultrapassaram os roubos de cargas em São Paulo. O roubo e furto de veículos estão em patamares insustentáveis. E por aí vamos, numa fileira de números dramáticos que colocam o Rio de Janeiro numa situação vergonhosa em comparação com qualquer área conflagrada do mundo.
Onde a porca torce o rabo é que o resto do Brasil pode ser o Rio de Janeiro amanhã. As coisas não estão tranquilas em nenhum Estado da Federação. É dar uma olhada nas estatísticas para ver que a violência corre solta de norte a sul do País, com repiques mais fortes no Rio Grande do Norte, Amazonas e Maranhão, onde brigas pelo controle dos presídios tomaram grandes proporções.
Isso não quer dizer que Estados mais desenvolvidos não estejam no fundo do poço. Estão, e a situação tende a se agravar com a criminalidade crescendo neles também.
As seguradoras podem fazer muito pouco para mudar o quadro. Se os fatos seguirem assim, todo o crescimento previsto para os próximos anos pode ficar comprometido.
Fonte: “Estadão”, 19/02/2018