O programa Future-se, anunciado pelo MEC para fortalecer a autonomia administrativa e financeira das universidades federais, procura responder a um anseio antigo de dar às instituições maior autonomia e flexibilidade de captação e gestão de recursos orçamentários e de seus bens patrimoniais. Para entender e avaliar o programa, é necessário considerar três aspectos principais: o institucional, o educacional propriamente dito e o financeiro.
O ideal seria que as universidades deixassem de ser repartições públicas e adquirissem um status legal próprio, combinando a flexibilidade da legislação privada com mecanismos que garantam suas funções públicas. O modelo disponível é o das organizações sociais, já adotado pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e outras instituições. Ao invés de tentar isso diretamente, o MEC está propondo uma via indireta, que é fazer com que as universidades estabeleçam convênios com organizações sociais existentes ou a serem criadas, que assumiriam parte ou a totalidade de suas funções de gestão, governança e empreendedorismo. Embora a ênfase seja em atividades de pesquisa, é possível dar uma interpretação mais ampla, já que as OS teriam funções gerais de gestão patrimonial e dos planos de ensino, pesquisa e extensão das universidades.
O modelo proposto lembra a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, que hoje administra a maioria dos hospitais universitários federais. A dúvida é quem comandaria estas organizações, e qual seria seu relacionamento com as reitorias, órgãos departamentais e coordenações de curso. A proposta não deixa claro se cada universidade teria sua própria OS ou não, mas prevê a criação de um Comitê Gestor para todo o conjunto, que, em última análise, substituiria o próprio Ministério da Educação nas funções de avaliação e controle do sistema.
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Apesar da possível abrangência, o programa está destinado, claramente, a uma parte relativamente pequena das universidades, que são as atividades de pesquisa e inovação. Existem hoje cerca de 120 instituições federais de ensino e pesquisa, que atendem cerca de 1,3 milhão de estudantes de graduação e 170 mil de pós-graduação, e mais cerca de 350 mil em cursos de nível médio, sobretudo nos institutos federais.
A Capes lista cerca de 3.500 cursos de pós-graduação nas federais, dos quais somente 140 são considerados de nível 7, de padrão internacional, 90% dos quais concentrados em dez instituições. Estas, em princípio, teriam condições de se beneficiar do novo programa, se internacionalizar e atrair recursos competitivos públicos e privados. Os demais cursos de pós-graduação são, preponderantemente, de aperfeiçoamento profissional, nos quais a pesquisa tem importância secundária. Mesmo nas melhores instituições, o grosso da atividade é de ensino. Não fica claro se as universidades que aderissem ao programa deveriam manter duas estruturas separadas, uma de pesquisa e inovação e outra do ensino regular, e qual seria a política do Ministério da Educação para os cursos de graduação de todo o conjunto.
O ministério prevê que o programa poderia captar cerca de R$ 100 bilhões, o que parece demasiado otimista, tanto em relação à capacidade das universidades de atrair investimentos quanto à disposição do governo de criar incentivos fiscais e disponibilizar recursos próprios. Hoje, o sistema federal custa cerca de R$ 60 bilhões anuais, dos quais 90% em salários e aposentadorias. Então, os novos recursos seriam “dinheiro novo”, o que seria bem-vindo, havendo a preocupação, no entanto, que isso leve a uma redução ainda maior do financiamento regular de custeio e investimentos. Além disso, fica em aberto a questão de se as universidades estaduais e privadas teriam acesso a estes fundos.
Fonte: “O Globo”, 23/07/2019