Apesar dos esforços do Ministério da Fazenda para sanear as contas públicas e reduzir o risco fiscal no futuro, como na regra do teto, a estratégia de ajuste fiscal tem sido gradualista. Como consequência, não é possível afastar tempestivamente o risco de insolvência, que poderá ameaçar a estabilidade econômica recentemente conquistada.
O gradualismo não decorre de erro de diagnóstico ou falta de empenho da equipe econômica, mas sim da rigidez orçamentária. Os gastos obrigatórios comprometem, desde 2015, praticamente toda a receita líquida do governo federal. Em 2017, estes equivaleram a 101% da receita líquida, sendo 53% despendidos com a Previdência.
Não basta, portanto, a austeridade do Executivo para fazer o ajuste fiscal. O Congresso precisa ser parceiro na empreitada, aprovando reformas estruturais que reduzam o engessamento do orçamento. Não tem havido apoio para cortar gastos e, para piorar, muitas vezes o Congresso impõe derrotas ao governo, sem se preocupar de onde virá o dinheiro. O próximo presidente precisará ter muita habilidade política.
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O gradualismo é mais palatável politicamente, mas implica muitos riscos. Os países ficam mais vulneráveis ao humor dos investidores e às condições de liquidez internacional.
A experiência argentina recente é exemplo disso. O governo Macri não conseguiu reduzir o déficit público (4,8% do PIB), comprometendo, assim, o ambiente econômico. O financiamento inflacionário do déficit (em 1,5% do PIB, segundo o FMI) pressiona a inflação, o que é particularmente grave em uma economia tão dolarizada. Corróise a credibilidade do Banco Central, que também não foi suficientemente zeloso. As contas externas são também afetadas pelo déficit público e pela inflação elevada que valoriza o peso argentino em termos reais. Estrago completo, especialmente para um país que deu calote na dívida no passado não tão remoto.
A situação brasileira é menos complexa no curto prazo, pois o governo Temer conseguiu reduzir a inflação e os fundamentos externos são sólidos. Os desafios do próximo presidente, no entanto, não serão muito diferentes daqueles enfrentados por Macri. O Brasil necessita urgentemente de reformas para consolidar a recuperação da economia e dar conta das consequências do envelhecimento do País.
Importante lembrar que o desafio será também dos governadores. Afinal, o gasto com a folha já consome em média 60% da receita líquida; e só vai crescer com o aumento do número de aposentados e pensionistas.
Uma estratégia gradualista no próximo governo, com uma reforma da Previdência tímida (assumindo que o próximo presidente terá clareza de que ela é inadiável) e agenda pobre de reformas, poderá comprometer as políticas públicas e o aumento do emprego e da renda.
Um cenário como esse será particularmente prejudicial às crianças que sofrem com a desigualdade de oportunidades, pelo colapso dos serviços públicos, e aos jovens que adicionalmente sentirão o desemprego elevado. Mas as consequências irão se estender a todos: um país mais violento e com renda per capita praticamente estagnada.
A foto não está nada boa. O desemprego entre os brasileiros entre 18 e 24 anos chegou a 28% no primeiro trimestre deste ano. Há ainda os “nem-nem” – nem trabalham, nem estudam –, que chegaram a 23% no grupo entre 15 e 29 anos em 2017. Triste também a cifra de 170 mil jovens que abandonaram a faculdade, por conta do desemprego dos chefes de família, e os talentos perdidos para o exterior. Dobrou o número de declarações de saída definitiva do Brasil entre 2013/14 e 2017. Dos que migraram para os EUA, apenas 6% não tinham curso superior em 2017, ante 22% em 2013, segundo pesquisa da JBJ Partners.
Uma consequência desse quadro é que os jovens, naturalmente mais precipitados, ficam mais suscetíveis a discursos populistas de presidenciáveis.
Não há espaço para o gradualismo. Os jovens têm pressa e precisam ter perspectiva, em qualquer lugar do mundo. Em Gaza e no Brasil também.
Fonte: “Estadão”, 24/05/2018