O Facebook sofreu na semana passada o maior tombo em valor de mercado em um único dia na história das bolsas americanas. O Twitter também não tem conseguido manter o nível de crescimento exigido por Wall Street. Google e YouTube não passam ilesos pelo movimento de ceticismo dos investidores diante do futuro das gigantes do Vale do Silício.
A dificuldade enfrentada pelas redes sociais tem raiz conhecida, mas desfecho ainda incerto. Elas descobriram enfim a extensão de sua responsabilidade política – ainda que a contragosto e apenas em virtude da ação de parlamentares e autoridades regulatórias, depois das eleições de 2016 nos Estados Unidos e do plebiscito do Brexit na Europa. Começaram a agir para tentar resolver os problemas que causam. Mas o resultado tem sido um desastre.
O Twitter promoveu um expurgo em perfis considerados falsos ou disseminadores de conteúdos falsos, vários dos quais partidários do governo Donald Trump. O Facebook anunciou planos para limitar a circulação de “desinformação” em suas plataformas (entre elas o WhatsApp). No Brasil, derrubou páginas ligadas ao Movimento Brasil Livre (MBL), sob a alegação de que violavam o contrato da rede social.
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A reação – mais que previsível, diga-se – foi a acusação de censura e viés ideológico. A perseguição apenas a páginas e movimentos associados à direita comprova, para seus críticos, que as empresas do Vale do Silício não são tão diferentes da “mídia tradicional” em suas inclinações políticas. Por trás da reação às “fake news”, afirmam haver uma tentativa de cercear opiniões de que discordam.
O Vale do Silício floresceu num ambiente derivado das universidades, ideologicamente à esquerda, em que ativismo e capitalismo se fundiram sob a égide de uma visão singular, que pretende “mudar o mundo para melhor” por meio da tecnologia, à revelia dos poderes estabelecidos, das instituições e da própria democracia.
Mas é um erro ver as ações recentes das redes sociais como censura ou tentativa de moldar ou manipular a opinião da audiência – erro semelhante cometido por políticos e propagandistas na análise do trabalho de jornalistas ou da imprensa profissional.
As jovens redes sociais começam apenas a enfrentar em seus negócios dilemas que a imprensa se viu obrigada a resolver há mais de cem anos. Que tipo de compromisso têm com a informação que veiculam? Em que ponto devem estabelecer o equilíbrio entre a liberdade de expressão do usuário e a responsabilidade pelos efeitos do que fazem circular? Como definem quem pode publicar ou o que pode ser dito em suas páginas? E – mais importante – com que direito?
Não há, até o momento, resposta definitiva a essas questões. Mas é evidente que Facebook e companhia precisarão respondê-las de modo satisfatório para atender tanto a demanda do mercado por crescimento quanto a de reguladores e governos por transparência.
A crise enfrentada pelas redes sociais não está tanto na ideologia quanto nas contradições de seu próprio negócio, expostas pelas investigações das autoridades dos dois lados do Atlântico. Sem “fake news”, nem perfis falsos, nem servir de plataforma a toda sorte de propaganda nociva – por mais que se esforce, o Google só fracassa ao tirar do ar o conteúdo jihadista que infesta o YouTube –, as redes sociais não teriam nem o tamanho nem o sucesso que têm.
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A verdade é que, para ganhar dinheiro, elas dependem da mentira. Isso nada tem a ver com a cor ideológica das páginas e perfis alvejados nas últimas semanas. A única forma de superar o paradoxo é criar um modelo de negócios sustentável baseado noutros valores – exatamente como fez a imprensa profissional no século XIX (escrevi uma série de posts sobre isso quase dois anos atrás).
Toda a histeria regulatória que tomou conta do Congresso americano, da Comissão Europeia e até do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aqui no Brasil mira no alvo errado. Ninguém se queixaria do viés ideológico do Facebook se houvesse competição real no mercado das redes sociais, se pudesse simplesmente mudar para outra rede que julgasse mais hospitaleira a suas inclinações políticas.
Isso não existe porque Google e Facebook conseguiram se estabelecer, na prática, como monopólios de mercado. Em 2017, de cada quatro dólares gastos em publicidade no mundo, um foi para os bolsos de uma dessas duas empresas (a conta inclui todas as TVs, rádios, jornais, revistas, oudoors etc. em todo o planeta!). No meio digital, a fatia das duas passa de 60% e cresce há anos.
É o caráter monopolista, garantido por barreiras de entrada intransponíveis pela concorrência – os perfis dos bilhões de usuários coletados de graça e oferecidos de modo segmentado aos anunciantes –, que mantém a avaliação bilionária desses negócios em Wall Street. Tudo aquilo que serve de isca para atrair audiência e coletar dados – “fake news” em particular – reforça tais barreiras de entrada.
Nenhum concorrente jamais obterá a mesma escala sem uma regulação capaz de romper o efeito de rede que torna as gigantes digitais cada vez maiores, donas de mais dados sobre a audiência e, portanto, mais atraentes aos anunciantes (as novas leis europeia e brasileira de proteção de dados nem tocam nesse tema).
No conflito que opõe as acusações de censura e viés ideológico à revolta contra as “fake news”, ninguém lembra o essencial: o monopólio das gigantes do Vale do Silício é a origem de seu poder político.
O Facebook continua a agir de modo atabalhoado. Para agradar a plateia e manter seu negócio ileso, tenta conciliar o inconciliável. Autoridades passam a legiferar como se fosse possível, num passe de mágica, garantir a qualidade de toda informação sem cercear a liberdade de expressão. Quando a melhor regulação para combater a desinformação nas redes sociais seria outra: estabelecer a competição onde hoje ela não existe.
Fonte: “G1”, 30/07/2018