A apresentação do relatório do deputado Samuel Moreira para a reforma da Previdência, prevista para quinta-feira, é o evento mais esperado desta semana. Revelará o grau de diluição mínimo que o Congresso aplicará às economias previstas na proposta inicial.
De acordo com os últimos números apresentados pelo Executivo, as economias somariam, no período entre 2020 e 2029, R$ 1,24 trilhão. No relatório de Moreira, são esperadas mudanças nos seguintes pontos:
– aposentadoria rural: R$ 92,4 bilhões;
– aposentadorias especiais e de professores: 69,6 bilhões;
– benefícios assistenciais R$ 34,8 bilhões;
– abono salarial: 169,4 bilhões.
Apenas nesses itens, estão em jogo alterações que reduziriam as economias para até R$ 870,3 bilhões no período de dez anos. Como o teor e o impacto delas ainda é desconhecido, é provável que Moreira tente manter em seu relatório as economias mínimas de R$ 1 trilhão, prometidas pelo ministro Paulo Guedes.
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Há quem fale que a Comissão Especial aplicará novas reduções ao relatório de Moreira, que levariam a soma a R$ 700 bilhões ou mesmo a R$ 600 bilhões. Esse total não inclui a maior polêmica que tem cercado a discussão nos últimos dias: a obrigatoriedade de as Previdências estaduais e municipais adotarem as mesmas regras de aposentadoria do setor público federal.
Num estudo divulgado ontem, a Instituição Fiscal Independente (IFI), organismo apartidário ligado ao Senado, estimou em R$ 351 bilhões as economias apenas nas Previdências dos estados, caso as regras sejam adotadas. Se o relatório final não estipular a obrigatoriedade, a tarefa ficaria ao sabor dos humores das assembleias estaduais.
Nos bastidores, governadores têm feito pressão pela manutenção desse ponto. Pelo menos 14 estados estão ameaçados de descumprir as regras da Lei de Responsabilidade Fiscal este ano. Reformar as previdências estaduais é essencial para o resgate do equilíbrio nas contas públicas.
Se a reforma obrigasse as mudanças, a vida dos governadores ficaria mais fácil. Lideranças parlamentares, contudo, querem manter seu poder local, já de olho nas eleições municipais do ano que vem. Caso os estados tivessem de reformar suas previdências por conta própria, a fatura cairia no colo dos governadores, não do Congresso.
A retirada da obrigatoriedade para estados e municípios poderá ocorrer depois, na Comissão Especial, ainda que seja mantida no relatório de Moreira. O mesmo princípio vale para todas as regras que ele modificar na proposta original do governo.
A dinâmica da tramitação revela a armadilha em que Guedes caiu ao estipular um valor mínimo. Num tema impopular, desaprovado pela maioria da população, o jogo natural entre Executivo e Legislativo impõe ao primeiro o papel de “tira malvado”; ao segundo, o de “tira bonzinho”.
Cada vez que o presidente Jair Bolsonaro se manifesta contra pontos da reforma e tenta empurrar ao Congresso a fatura da “maldade”, o revés é previsível. Qualquer manifestação de Guedes também sofrerá um desconto no Congresso, pois os parlamentares não transmitirão às bases a imagem de ter sido mais duros que o Executivo ao mexer nas aposentadorias. Pode estimar o abatimento em uns R$ 100 bilhões.
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Quando o governo envia uma proposta com economias de R$ 1,1 trilhão, o máximo que obterá é R$ 1 trilhão. Guedes falou que o mínimo aceitável é R$ 1 trilhão? O valor já cai para R$ 900 bilhões. Deu entrevista ameaçando sair do governo caso o total fique abaixo de R$ 800 biilhões? É a senha para o Congresso reduzi-lo a R$ 700 bilhões.
Não tem jeito. Qualquer que seja o relatório apresentado, é certo que o Legislativo não entregará o mínimo estipulado pelo Executivo. É da natureza da política tentar se livrar da fatura da “maldade”.
Fonte: “G1”, 04/06/2019