Ontem, em um único dia, o presidente Temer tomou duas decisões que transferem para os próximos governos uma má herança fiscal. Na primeira, desistiu de adiar a parcela dos reajustes de servidores públicos concedidos pela ex-presidente Dilma Rousseff, que estava prevista para 2019. Na segunda, cedeu a pressões do Supremo Tribunal Federal (STF) para aumentar os honorários dos ministros em 16,38%. Calcula-se que a primeira decisão implicará gastos adicionais de R$ 7 bilhões. A segunda, pelos efeitos em cascata nos salários de juízes e procuradores Brasil afora, custará perto de R$ 5 bilhões.
Os servidores do Judiciário constituem uma das mais privilegiadas corporações do serviço público. Eles integram o grupo dos 1% mais ricos do país. Como um todo, os servidores públicos têm salários 67% superiores aos pagos pelo setor privado para funções semelhantes. Nos últimos vinte anos, o funcionalismo público federal ganhou aumentos salariais de 60% acima da inflação, em comparação com 10% no setor privado.
O aumento dos honorários dos ministros do STF foi justificado com o fim do auxílio-moradia, que seria incorporado nos respectivos vencimentos. Ora, esse penduricalho é de difícil justificativa. Juízes o recebem mesmo que tenham residência própria no local onde exercem suas funções. Há casos de casais de juízes que moram sob o mesmo teto, mas tanto o marido como a esposa recebem o auxílio. Na verdade, esse acordo valida um benefício escandaloso, acessível apenas aos juízes.
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Além disso, as decisões de Temer mostraram que, além dos generosos salários, relativamente a outros grupos da sociedade, os ministros do STF gozam de outro privilégio: têm acesso fácil ao presidente da República e aos chefes do Senado e da Câmara, para exercer pressão em favor de reajustes salariais. Nenhuma outra parcela dos trabalhadores tem essa vantagem. Tudo isso quando mais de 13 milhões de brasileiros estão desempregados. E, ainda, em meio à maior crise fiscal de nossa história.
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Temer repete experiências de presidente politicamente fracos, aqui e em outros países. Eles perdem o poder de agenda e a capacidade de resistir a pressões de grupos de interesse como os dos juízes e dos demais servidores públicos. Diz-se, jocosamente, que se serve café frio a presidentes fracos ou em fins de mandato. A realidade é mais grave. Tais presidentes buscam, no fundo, medidas que possam melhorar a sua popularidade, ainda que desastrosas. Temer pensou, no íntimo, em ser bem visto por essas corporações.
O país paga a conta. Os desafios do próximo presidente, já enormes no campo fiscal, ganham uma dificuldade adicional. Triste.
Fonte: “Veja”, 30/08/2018