Em muito pouco tempo será escolhido o próximo presidente do Brasil. É hora de pensar, para além da ideologia, quais os mínimos requisitos de um programa de governo que não só enfrente os problemas de curto prazo capazes de paralisar o país, mas também aponte soluções de longo prazo para alguns dos problemas estruturais mais sérios.
O primeiro teste para identificar se uma candidatura merece ser considerada seriamente é a forma como pretende lidar com a crise fiscal. O candidato reconhece que a situação fiscal é grave? Tem proposta para resolvê-la? Se o candidato ignorar esses temas, como fez Dilma Rousseff na eleição de 2014, deve ser desconsiderado já de saída pelos eleitores. Nunca é demais lembrar que Dilma Rousseff – com a tácita aquiescência de seu principal rival, Aécio Neves – negou, durante a campanha, que faria qualquer ajuste fiscal. Uma vez reeleita, foi obrigada a curvar-se à realidade, aplicando o inevitável estelionato eleitoral que lhe roeu o apoio popular. Como a situação hoje é tão preocupante quanto há quatro anos, negar ou ignorar o problema é receita certa para uma nova crise política após as eleições.
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Felizmente, todos os principais candidatos, à direita ou à esquerda, têm realçado a necessidade de um ajuste fiscal. Os detalhes ainda não estão claros, mas o simples reconhecimento do problema já é um ponto positivo. No centro da questão encontra-se a previdência social. Os economistas de dois candidatos – Ciro Gomes e Jair Bolsonaro – propõem migração (talvez parcial) para um sistema de capitalização. Qualquer manual de macroeconomia diria que esse é um sistema mais eficiente e justo que o atual sistema de repartição vigente no Brasil, que cada vez mais se desequilibra conforme a população envelhece. Mas como financiar a transição de um sistema para o outro? Como pagar as aposentadorias atuais se grande parte dos trabalhadores ativos passarem a contribuir para uma conta privada? As duas candidaturas ainda estão devendo os detalhes.
Os outros candidatos também não são claros sobre essa questão. Em entrevista em 7/5/18 neste jornal, Pérsio Arida, economista chefe da campanha de Geraldo Alckmin, colocou como prioridade de governo a reforma da Previdência. Mas logo em seguida disse que “Alckmin ainda não tem um esboço de que reforma previdenciária apresentaria”. De forma semelhante, Marco Bonomo, economista da equipe de Marina Silva, em debate recente promovido também por este jornal, abordou a deterioração das contas do INSS defendendo a necessidade de um ajuste fiscal, sem, contudo, entrar em seus detalhes.
O ajuste fiscal é condição necessária, mas longe de suficiente, para resolver os problemas de longo prazo do Brasil. Aqui as visões ideológicas são mais nítidas. Propostas liberais enfatizam privatizações e abertura comercial, por exemplo, como estratégias para aumento da produtividade e crescimento. Já os candidatos mais à esquerda preconizam a recuperação da capacidade de investimento do Estado, bem como a preservação de empresas supostamente estratégicas nas mãos do governo. Cabe ao eleitor escolher o que mais combina com suas ideias.
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Entretanto, educação precisa estar no cerne das campanhas. Todos os estudos sobre pobreza e desigualdade de renda no Brasil identificam na má educação o centro do problema. Também o crescimento de longo prazo depende da melhoria da educação. Embora tenha ocorrido avanços em termos quantitativos – mais jovens têm entrado no ensino médio, ao contrário de trinta anos atrás -, a qualidade permanece sofrível, incapacitando o aprendizado.
A elevada evasão, sobretudo no Ensino Médio, compromete a formação dos jovens para o mercado de trabalho, bem como para avançar num curso superior, especialmente os mais pobres. Todos os anos despejam-se no mercado de trabalho multidões de trabalhadores pouquíssimo qualificados, muitos sem perspectiva de melhoria de vida.
Dessa forma, para além das ideologias, um segundo critério para se considerar o voto em qualquer candidato são suas propostas educacionais. Enfrenta a questão da qualidade? Reconhece os problemas do Ensino Médio? Ou parece capturado pelas corporações? Enfatiza ensino na primeira infância e a oferta de creches? Ou, como outros candidatos do passado, vai lavar as mãos, sob a desculpa de que educação básica é responsabilidade dos governos municipais e estaduais?
Infelizmente, aqui as propostas são ainda mais vagas ou inexistentes. Alguns candidatos (Ciro Gomes e Alckmin) lançam mão de supostas experiências bem sucedidas em seus governos regionais, como se isso pudesse ser estendido mecanicamente para esfera federal. Bolsonaro permanece mudo sobre o assunto, quando não defende vagamente a militarização das escolas públicas, uma proposta francamente estapafúrdia. Marina talvez repita propostas de 2014 de, por exemplo, priorizar educação integral no ensino básico, mas nem isso está claro ainda.
Um terceiro critério, no qual nenhum dos candidatos principais seria aprovado, é quão distante ele e seu grupo de apoiadores estão de um sistema – presidencialismo de cooptação – que já se mostrou ineficaz, corrupto, aparelhista e instável. Todos os principais candidatos, de uma forma ou de outra, são ou foram partícipes desse sistema político, ou estão em partidos claramente comprometidos com o triste quadro atual. É improvável que haja renovação significativa na política brasileira. Mas, de qualquer forma, dois em três critérios já é melhor do que nada. Acompanhar a seriedade das propostas em relação à previdência e à educação constitui o primeiro passo para uma boa escolha em 7 de outubro.
Fonte: “Valor Econômico”, 18/07/2018