Reforma política é um processo complexo e conduzido de modo lento e incremental. Aqui, demanda-se que ela seja rápida e profunda, capaz de reduzir drasticamente o número de partidos e mudar a maneira de escolha dos parlamentares. As outras reformas, imagina-se, não seriam aprovadas por causa da má qualidade do sistema político. Assim, afirma-se, “a reforma política é a mãe de todas as reformas”. Esse mito esquece as reformas dos governos de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer, realizadas sob o mesmo sistema político. Desconsidera que o poder de aprovar a reforma política é dos interessados na própria reeleição, os quais poderão amoldar a proposta ao status quo. Políticos não se suicidam eleitoralmente.
Entre as reformas de Itamar e Fernando Henrique estão o Plano Real e as mudanças constitucionais que permitiram privatizações em telecomunicações e energia. Foram privatizadas as estatais de mineração e da indústria. Desapareceram restrições sem sentido ao investimento estrangeiro. Surgiu a Lei de Responsabilidade Fiscal. Crises bancárias e cambiais foram resolvidas e legaram avanços institucionais que asseguram a solidez do sistema financeiro e a boa gestão macroeconômica. No período Temer, houve a reforma trabalhista e a instituição do teto de gastos. Essas reformas se beneficiaram de liderança e habilidade para compor e gerenciar maiorias estáveis.
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A reforma do sistema político britânico levou quase um século para ser concluída. Ela consolidou o regime de gabinete, isto é, o parlamentarismo que inspirou muitos países. No livro “The Efficient Secret — The Cabinet and the Development of Political Parties in Victorian England”, Gary W. Cox descreveu o fascinante processo que, entre outras mudanças, reestruturou os distritos eleitorais, criou o serviço público profissional e universalizou o direito de voto, que era restrito a homens aristocratas e proprietários de imóveis. Antes, apenas 2% dos adultos podiam votar.
O avanço britânico foi impulsionado por grandes líderes e muitas vezes por pressão da opinião pública. A primeira grande reforma, de 1832, eliminou os “distritos podres” que elegiam dois membros do Parlamento e eram vergonhosamente negociados. Criou outros distritos, como os de Manchester, que, embora já fosse uma das maiores cidades industriais do Reino Unido, não elegia um único parlamentar. O direito de voto foi estendido a 17% dos homens adultos e depois assegurado a todos eles nas reformas de 1867 e 1888. As mulheres conquistaram a franquia de voto com as reformas de 1918 e 1928, após o memorável movimento que realizaram a partir do início do século XX.
No Brasil, já realizamos muitas reformas políticas desde a democratização, como as que estabeleceram a cláusula de barreira e proibiram coligações em eleições proporcionais, as quais reduzirão o número de partidos nos próximos anos. Ainda há muito que fazer, mas não será preciso um século para novos avanços incrementais.
Fonte: “Veja”, 16/11/2018