Um amigo me passou uma excelente reportagem da revista “The Economist” sobre o Brasil. Intitulada “Half-empty or Half-full?” (“Meio cheio ou meio vazio?”), ela delineia o grande potencial do nosso país e aponta os principais obstáculos que teremos de enfrentar para fazer jus a esse potencial.
Para nós, não são exatamente novidades, mas é bom ter contato com um olhar inteligente de fora. As sugestões passam por reforma da Previdência, reforma tributária, cortar burocracia, acabar com privilégios do funcionalismo, abertura econômica, investir melhor (e não necessariamente mais) em educação básica, fazer privatizações. Diagnósticos ponderados e embasados. Eu recomendaria a leitura a todos, mas acontece que você não vai encontrar essa revista nas bancas. A reportagem é de 1995.
Leia mais:
Márcio Coimbra: Pós-política
Maílson da Nóbrega: O lobby dos servidores contra a reforma da Previdência
Rubens Barbosa: Frente pela renovação
O tempo passa e os problemas do Brasil permanecem. A necessidade de uma reforma da Previdência, por exemplo, já estava colocada ali, 22 anos atrás. Era uma questão nacional. Agora, no momento em que há alguma possibilidade de fazê-la (ainda que pela metade), e no qual vivemos a necessidade do ajuste fiscal, seus críticos pedem calma, menos pressa. Apostam, sem dúvida, que o “já já” continuará significando “nunca”.
Claro, muita coisa mudou. O controle da inflação, que em 95 ainda era uma aposta, deu certo. Ainda sofremos com dirigismo estatal e burocracia, mas o mercado pôde crescer, e muita coisa foi privatizada, da telefonia aos bancos. A educação básica foi universalizada. A pobreza extrema caiu, a classe média aumentou.
Mesmo assim, a mudança é lenta demais. O mundo avança, a tecnologia revoluciona nossas vidas, o mercado cresce e se adapta às tendências, e as engrenagens e serviços do Estado brasileiro seguem a passos de tartaruga.
Mudar o Estado é difícil porque traz sofrimentos, e preferimos sonhar com um desenvolvimento grátis. Nossos grandes surtos de crescimento foram “milagres”, presentes gratuitos da bondade de Deus, que, como sabemos, é brasileiro. Se o milagre não vier, decerto há algum passe de mágica para crescer sem sofrer: mudar a taxa de câmbio, fazer auditoria da dívida, reinterpretar as contas da Previdência para provar que são superavitárias.
Papai Noel não existe. A realidade tem o mau hábito de impor limites. Voos de galinha seguidos de décadas perdidas só vão aprofundar nossa frustração com esse gigante que um dia acorda e logo volta ao berço esplêndido.
Sem falar que algumas áreas pioram, como a segurança pública em vários Estados. Nesse campo, um “insight” do jornalista inglês pode nos alentar: o Brasil é uma sociedade que pratica a violência, mas não acredita nela. Acreditamos na paz e na possibilidade de conciliação. Essa segue sendo uma de nossas virtudes, ainda que hoje alguns queiram aboli-la em nome de sonhos revolucionários.
Mas é uma virtude que, para não nos atolar no imobilismo, precisa ter a capacidade de agir pelo bem do país em momentos decisivos. Vivemos um momento desses. Será nossa missão escolher um presidente que saiba trabalhar, elencar prioridades e que tenha a capacidade de unir o Congresso pelo bem do país, fugindo da divisão estéril que nos trava. Daí, quem sabe, meus filhos -hoje com 4 e 8- não cheguem aos 30 tendo que discutir se ainda não é cedo demais para uma reforma da Previdência.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 19/12/2017
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