No final de 2016, quando a Petrobrás anunciou a nova política de preços dos combustíveis, o mercado acreditou que a manipulação desses preços pelo governo tinha terminado. Entretanto, em maio de 2018 o governo, assustado em resolver a greve dos caminhoneiros, promoveu um retrocesso. Mais uma vez a tese de que até o passado é incerto no Brasil se confirma.
Em outubro de 2016, a Petrobrás deu um importante passo em direção à competitividade do mercado, passando a fazer reajustes mensais nos preços dos combustíveis, baseados na paridade do preço de importação e nas variações do câmbio. Em julho de 2017 a empresa, no processo de abertura evolutiva, passou a fazer reajustes diários. Essa política promoveu a abertura de mercado para outros importadores. Até 2015, 100% da importação de diesel e de gasolina era feita pela Petrobrás. A partir de 2016, sua participação foi para 23,2% e para 9,5% no acumulado de 2018 até junho.
Essa nova dinâmica fez crescer a participação das distribuidoras regionais e locais ante as nacionais (BR, Raízen, Ipiranga e Ale) – resultado verificado em 9 dos 10 Estados de maior volume, representando 79% do total do Brasil. Ao contrário do que se pensa, promoveu-se maior concorrência entre os importadores, a Petrobrás e as distribuidoras. Ou seja, a meta de aumentar a competição e beneficiar o consumidor estava sendo alcançada.
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Neste cenário, causaram surpresa ao mercado as ações propostas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) pós-greve dos caminhoneiros. A ANP apresentou quatro ações destinadas a regular o mercado de combustíveis. A primeira foi sobre a conveniência de estabelecer uma periodicidade mínima para reajustar os preços dos combustíveis. A motivação foi apropriada ao contexto e resultou em boas conclusões.
As três outras ações foram equivocadas. A minuta do cálculo do Preço de Referência não abarca todos os reais custos do processo de importação, gerando distorção nas condições de competição e trazendo de volta o monopólio da Petrobrás na importação.
A consulta pública sobre a transparência na formação dos preços dos combustíveis propõe a obrigatoriedade de produtores e importadores que detêm mais de 20% da participação de mercado da macrorregião apresentarem suas fórmulas e os dados de preços relativos à comercialização de derivados de petróleo, gás natural e biocombustíveis. Além disso, revendedores varejistas de combustíveis líquidos e de GLP deverão enviar à ANP os preços praticados.
É válida a intenção de tornar os preços dos combustíveis transparentes, mas há uma nítida confusão entre regulação e intervenção nessa minuta. De posse dessa informação, os competidores poderão ajustar seus preços de acordo com a Petrobrás, espremendo as margens do setor. Outro efeito avesso é a oportunidade da prática de preços similares pelas empresas, fixando margens para impulsionar os ganhos econômicos.
Essa resolução pode, ainda, afetar negativamente a distribuição e a revenda, que na prática terão suas margens controladas e suscetíveis à pressão pela total transparência. Além disso, esses segmentos sentirão o avanço da burocracia na operação comercial, com possibilidade de ampliação de custos e riscos legais.
A quarta minuta trata da tutela regulatória e de autorizar postos a comprar direto das refinarias. Sobre a tutela, é bom ter em mente que o consumidor não tem condições de julgar e escolher o combustível por mera inspeção, nem a qualidade nem a segurança do produto. Chega a ser inusitado autorizar que 45 mil postos comprem de 17 refinarias.
Se a ANP concentrasse o seu esforço em acompanhar se a Petrobrás está praticando preços em linha com a paridade internacional e o Cade verificando se a empresa não está abusando do seu poder de monopólio, seria o suficiente para garantir a concorrência, promover a venda de refinarias e proteger o consumidor.
Ações açodadas com DNA de intervencionismo vão acabar levando à total desarticulação no mercado de combustíveis, reforçando o monopólio da Petrobrás e beneficiando empresas oportunistas. A quem interessa isso? Certamente, não é ao consumidor.
Fonte: “Estadão”, 06/10/2018