Na última coluna tratamos da possibilidade de um cenário de crescimento saudável do país nos próximos anos, se o governo Jair Bolsonaro enfrentar os obstáculos políticos que tem pela frente. O economista Claudio Porto, fundador da consultoria Macroplan, especializada em planejamento e gestão, chamou-o de“globalização econômica inclusiva”.
Mas existem outros dois cenários possíveis na visão de Claudio Porto, considerando o jogo de interesses de três grandes grupos de atores no país: os agentes econômicos, que demandam equilíbrio fiscal, crescimento sustentável e competitividade; as corporações, que reivindicam a manutenção de direitos especiais, privilégios e proteções; e a população, que hoje exige segurança, integridade, políticas e serviços públicos de qualidade e oportunidades de trabalho.
O segundo cenário seria uma espécie de retorno aos anos 70: crescimento com desigualdade. A coalizão de forças políticas, econômicas e sociais dominantes assume uma ‘pegada nacionalista’ e novamente aposta no mercado interno, buscando conciliar as demandas dos agentes econômicos com as das corporações, em prejuízo de demandas da população.
Um cenário parecido ao padrão dominante no Brasil na década de 1970. As reformas econômicas, predominantemente liberais, avançam substancialmente nos planos fiscal e previdenciário, mas as mudanças microeconômicas são minimalistas, especialmente na abertura da economia, que evolui de forma muito lenta e gradual.
O peso do Estado na economia reduz um pouco. Ampliam-se as concessões e parcerias público-privadas. O ambiente de negócios melhora e o ajuste fiscal é alcançado ao longo dos quatro anos iniciais. A dívida pública começa a declinar.
Mas as desestatizações e as restrições aos privilégios das corporações são mais simbólicas do que reais, enquanto as políticas sociais sofrem restrições. A economia cresce, com pequeno aumento da produtividade e sem pressões inflacionárias.
A renda real média das famílias da ‘base da pirâmide’ cai e a desigualdade de renda aumenta. Do ponto de vista econômico, este cenário se aproxima do “cenário de referência” de Cavalcanti & Souza Júnior, do IPEA – taxas de crescimento médias do PIB e do PIB per capita de 2,2% e 1,6% ao ano, respectivamente.
Leia mais de Merval Pereira
Cenários para Bolsonaro
Identidade nacional
Bons e maus sinais
Finalmente, temos o terceiro cenário. Um prolongamento do pacto da mediocridade que se acentuou nos últimos anos. As forças dominantes no país continuam prisioneiras da ‘armadilha da renda média’ e tentam conciliar o atendimento simultâneo de demandas da população com as das corporações, impondo entraves ao crescimento e à competitividade da economia.
No mais, algumas restrições simbólicas a privilégios. A agenda de reformas macro e microeconômicas, iniciada com grandes ambições, é progressivamente ‘desidratada’ e a carga tributária real aumenta. Uma trajetória parecida à da Argentina de hoje.
Neste cenário, as restrições fiscais diminuem temporariamente, com uma reforma da previdência minimalista, mas, no médio prazo, a dívida pública exibe trajetória arriscada, com alto risco de default. A inflação tem viés de alta. A agenda social combina a manutenção de proteções sociais com assistencialismo.
Do ponto de vista econômico, este cenário se aproxima do “cenário de desequilíbrio fiscal” de Cavalcanti & Souza Júnior: taxas de crescimento médias do PIB e do PIB per capita de 0,5% e -0,1% ao ano, respectivamente. Mais uma década perdida para o Brasil.
Porto ressalta que nenhum dos três cenários acontecerá exatamente como estão descritos e, muito provavelmente, a realidade os misturará, sendo a resultante incerta.
Os primeiros sinais antecedentes se tornarão mais visíveis no fim do 1º semestre de 2019. Para a Macroplan o maior risco, no curto prazo, é a “tentação do meio termo” que poderá levar o Brasil mais uma vez a resvalar para um pacto da mediocridade, uma vez que a força da inércia é muito forte entre nós.
Afinal, lamenta-se Claudio Porto, há quase 500 anos o País carrega o fardo das corporações e dos “direitos adquiridos” que foram institucionalizados em 1521 pelas Ordenações Manuelinas, e a sedução do populismo sempre está rondando o Brasil, governantes e governados.
Fonte: “O Globo”, 13/01/2019