Desde a promulgação da Constituição Federal, já tivemos seis emendas constitucionais (ECs) que alteraram as regras previdenciárias.
A primeira foi com Itamar Franco, em 1993. Cinco anos mais tarde, Fernando Henrique Cardoso aprovou a sua, perdendo por um voto a instituição da idade mínima. Posteriormente, nos governos do PT, outras quatro ECs de reformas previdenciárias foram aprovadas: as duas primeiras com Lula, em 2003 e 2005, e as outras duas com Dilma.
Ficam, então, as questões: será que a EC de Bolsonaro será o Plano Real das contas fiscais, que depois de tantos fracassos finalmente nos trouxe a estabilidade de preços? O Brasil finalmente se tornará, nos próximos meses, um país solvente?
Caso seja aprovado com uma economia próxima a R$ 800 bilhões, o projeto deste governo poderá estabilizar a dinâmica negativa das contas da Previdência e do governo federal, mas ainda não será suficiente para colocar os gastos em trajetória decrescente. Se estados e municípios ficarem mesmo de fora da reforma, nem essa estabilização será possível. Estima-se que deixaremos de economizar R$ 350 bilhões em dez anos, uma conta que certamente será paga pela União.
Infelizmente, a questão fiscal vai muito além dos gastos previdenciários. O atual governo não tem base política forte e perde a cada dia que passa sua capacidade de impor uma agenda ao país. O Congresso não dorme no ponto e já toma esse papel para si. Desde o começo do ano, o Executivo já contabiliza derrotas expressivas, como a aprovação do Orçamento Impositivo, a limitação do uso de medidas provisórias (MPs) e a derrubada de vetos importantes. Por pouco não perdeu a reforma administrativa, a aprovação do crédito suplementar (que colocava em risco o pagamento de benefícios sociais) e a MP que lidava com as fraudes do INSS.
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Expectativas elevadas
Uma vez aprovada a reforma da Previdência, a pauta do Congresso será, sem dúvida, tomada pelo interesse dos deputados em aumentar as transferências aos seus estados.
Sem nenhuma contrapartida, o governo já cedeu a estados e municípios 30% do que arrecadará com a cessão onerosa, um presente não recorrente que poderá ser gasto da forma que os governadores e prefeitos bem entenderem, inclusive contratando gastos permanentes.
Paralelamente, temos a discussão da mudança do indexador das dívidas dos estados com a União e a questão da destinação aos estados de parte significativa do Fundo Social, criado no governo Dilma com receitas advindas do excedente em óleo da União e royalties. Em breve, teremos também a tramitação do “Plano Mansueto”, que visa socorrer estados que não conseguiram limitar suas despesas e correm o risco de serem excluídos do plano de renegociação feito em 2016 com a União. A princípio, o plano estabelece uma série de contrapartidas para ajudar tais entes, mas pode ser bem desfigurado no Congresso.
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Uma notícia que nos faz lembrar inevitavelmente a “nova matriz econômica” do governo Dilma é o programa Retrem, que poderá ser lançado até o fim desta semana. Será uma linha de crédito subsidiada com recursos do FGTS para melhorar o transporte coletivo e aquecer a indústria ferroviária. A nova linha ressuscitará a exigência de conteúdo local. Parece que esquecemos quanto isso já nos custou caro em termos fiscais e em crescimento.
Temos desafios enormes pela frente. A recuperação da mais longa crise de nossa história está sendo dolorosa e exige mais urgência. Após a aprovação da Previdência, precisamos redobrar nossa atenção para que Congresso e Judiciário não afrouxem, sem alardes, a restrição fiscal atual. O Supremo irá julgar, em breve, se a redução da carga horária e dos salários dos servidores públicos, prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal, é constitucional.
São esses testes que, juntamente com a pauta dominada pelo Congresso, nos dirão se o Brasil será solvente ou não. De nada adiantará estancar o crescimento das despesas previdenciárias se, ao mesmo tempo, permitirmos que a expansão fiscal continue descontrolada em outras rubricas. Caso isso aconteça, perderemos as duras conquistas do passado, como a Lei de Responsabilidade Fiscal e o teto de gastos.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 27/06/2019