Entre 1985, ano da redemocratização, e 2018 nosso PIB per capita cresceu à taxa média de 0,9% ao ano (a.a.). Nesse mesmo período, observou-se uma alta média de 3,4% a.a. no PIB per capita dos países em desenvolvimento, de 1,6% a.a. no dos países ricos e de 1,2% a.a. no da América Latina, excluindo o Brasil. Caminhamos para deixar de ser um país de renda média e voltar a ser um país pobre.
Por que o Brasil fracassou de forma tão retumbante em se desenvolver durante um período tão longo? Fracasso que, diga-se de passagem, não damos indicação de estar em vias de superar.
Para a quase totalidade dos economistas, com a possível exceção dos de inclinação antiliberal, a resposta é relativamente simples: porque não fizemos o ajuste fiscal e não adotamos as reformas necessárias para promover o investimento e o aumento da produtividade. Não faltam livros, estudos, relatórios de organizações multilaterais etc. elencando essas reformas e detalhando porque e como implementá-las.
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Por isso mesmo acho que essa não é a resposta certa. Ou, talvez, a pergunta anterior não tenha sido a correta. Melhor teria sido perguntar por que fomos incapazes de utilizar a mesma “tecnologia de desenvolvimento” adotada por tantos outros países? Por que insistimos em adotar políticas que já se mostraram incapazes de gerar desenvolvimento, quando há alternativas comprovadamente mais bem sucedidas e estas são de conhecimento público?
Há anos me debato com estas perguntas e, confesso, não parece haver resposta simples. De algum tempo para cá convergi para a conclusão que uma das principais causas de não nos desenvolvermos é adotarmos o presidencialismo de coalizão, que, talvez não por coincidência, prevaleceu durante todo esse período. Também penso que, sem mudar isso, continuaremos fracassando em nos desenvolver.
Como explica Carlos Pereira, o modelo eleitoral adotado pela Constituição de 1988 incentiva o multipartidarismo e, “quanto maior o número de partidos, menor a chance de o partido do presidente alcançar sozinho a maioria de cadeiras do Congresso. Se desejar governar evitando o desconforto da condição de minoria, terá de gerenciar coalizões pós-eleitorais. Para tal, precisa ofertar recursos políticos e financeiros com os potenciais parceiros em troca
de apoio político no Legislativo” (bit.ly/2KomwkR). Entre esses “recursos” estão “ministérios, cargos na burocracia, emendas no Orçamento etc”.
Observe-se que não se trata de formar uma coalizão para definir conjuntamente que políticas ou prioridades o governo deve perseguir, como ocorre em geral nos regimes parlamentaristas em que um único partido não obtém maioria no parlamento. É antes uma distribuição de “recursos” controlados pelo presidente que os congressistas podem usar para alavancar sua competitividade eleitoral.
Ora, é mais ou menos óbvio que um sistema desse dá fortes incentivos para que o Congresso mantenha o governo -e o país refém de seu apoio, de forma a poder continuar usufruindo dos “recursos” que lhe são dados pelo presidente. Assim, ainda que não deseje jogar o país no abismo da crise, o Congresso também não deseja que o país se afaste muito dele.
Além disso, essa alocação de “recursos” penaliza a produtividade, pois não há incentivos para que eles sejam utilizados para promover o desenvolvimento, já que na prática não há uma responsabilização dos partidos pelo desempenho nos cargos ocupados ou do governo em geral. Adicionalmente, fomenta a fragmentação gerencial e decisões muito focadas no curto prazo.
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Esse também é um sistema que incentiva a pulverização partidária, pois isso facilita aos congressistas extrair mais recursos do Executivo. Em contrapartida, isso estimula a criação de mais ministérios, para facilitar essa transferência de recursos, o que enfraquece ainda mais os mecanismos de responsabilização dessas indicações políticas.
A falta de disciplina fiscal, em especial com a forte expansão do gasto público, é outro problema causado, pelo menos em parte, pelo presidencialismo de coalizão. De um lado, porque o presidente precisa de recursos públicos para distribuir entre os partidos com representação no Congresso. De outro, pois a falta de responsabilização dos partidos pelos problemas do país estimula a aprovação de “pautas bombas”. Não por coincidência, a gestão do presidencialismo de coalizão ficou mais difícil a partir de 2015, quando o governo passou a ter de conter o aumento do gasto público.
Se quisermos sair do equilíbrio de baixo crescimento em que mergulhamos quase quatro décadas atrás, precisamos realinhar os incentivos da classe política para que o seu interesse coincida com o da sociedade em geral. Em especial, para criar incentivos para que o Congresso apoie políticas que promovam o desenvolvimento, em termos de prêmios e penalidades eleitorais.
O presidencialismo do coalizão não provê esses incentivos e por isso é hora de pensarmos em como substituí-lo. Penso que precisamos caminhar para um sistema com poucos partidos, em que a sociedade reconheça claramente aqueles que apoiam o governo, responsabilizando-os por seus erros e acertos.
Fonte: “Valor Econômico”, 05/07/2019