Feliz 2020! Uma das apostas mais seguras desta década que se inicia é que o brasileiro passará a poupar mais em ações, e assim romperá o ciclo vicioso de décadas emprestando exclusivamente ao governo por meio da caderneta de poupança e dos fundos vinculados ao CDI.
O que deve o investidor almejar da empresa e de seus gestores? Tradicionalmente o investidor espera que sirvam melhor aos clientes, aumentem suas vendas e lucros, e assim incrementem o valor de longo prazo de sua poupança por meio de dividendos crescentes e ações mais valorizadas. O afastamento deste objetivo implica perdas monetárias de seus investidores e donos.
Hoje em dia as empresas têm sido compelidas a aderir à chamada “responsabilidade social empresarial” (RSE) e ao ESG, sigla em inglês que representa compromissos ambientais, sociais e de governança.
Em 2019, o Business Roundtable, uma influente associação lobista de CEOs de grandes empresas americanas, alterou radicalmente sua declaração sobre o propósito empresarial. Desde 1978 defendiam a primazia de geração de retornos de longo prazo a seus donos-acionistas, agora suplantada pelo compromisso de gerar valor a todos os stakeholders: clientes, funcionários, fornecedores, comunidade, e por último os acionistas. Em que medida tais tendências são compatíveis com os objetivos dos investidores?
A economia de mercado tem como essência a cooperação social. Empresas se organizam para entregar produto ou serviço com qualidade e preço baixo.
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Se não o fizerem, perderão vendas, clientes, e incorrerão em prejuízos. Em última instância, a livre iniciativa expele maus gestores por meio da recuperação judicial e falência, que buscam manter a continuidade da empresa, sob nova gestão.
Este sistema de oferta de produtos melhores e mais baratos e de punição dos piores gestores empossa o consumidor como rei. Como dizia Ludwig von Mises, “lucros e prejuízos são o mecanismo pelo qual os consumidores redirecionam a gestão da produção àqueles mais qualificados para atendê-los”.
Todos concordamos que as empresas e seus funcionários devem ser éticos e agir sempre com boa conduta. Algumas empresas, no entanto, optam por ir além do estrito cumprimento da legislação quanto aos funcionários, seus sócios minoritários, a comunidade a seu redor e ao meio ambiente.
A empresa que alinha bons valores com estratégia de longo prazo tende a ser mais responsável e assim conquistar mais clientes. Ademais, uma melhor reputação protege a empresa de abusos governamentais e legais. Ou seja, em geral é bom negócio ir além da legislação e da ética restrita.
Porém, programas de ESG e RSE têm sido comumente instrumentos de abusos de curto prazo por executivos que fazem caridade com dinheiro dos acionistas por interesse próprio ou para sinalizar virtude, puxar as ações e embolsar seus bônus anuais. Quando fica clara a conta financiada pelo investidor, o executivo pode já estar em outra empresa.
A WeWork ficou famosa por fazer maciço marketing de bondade social, beneficiar seu acionista controlador com uma avaliação de US$ 50 bilhões e beirar falência algumas semanas depois.
As grandes empresas auferem vantagens em impor padrões hiper-rígidos ao mercado pois se protegem da competição contra pequenas empresas que não têm recursos para cumpri-los.
O executivo investido de poderes para fazer “responsabilidade social” preterindo o interesse de seus acionistas age como um governo interno, impondo uma espécie de imposto. E esta não é a especialidade do executivo, mas de instituições especializadas.
Em suma, não devemos delegar nossa responsabilidade pessoal para o governo ou empresas. É dever de cada um de nós combater a miséria e as injustiças.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 1º/1/2020