Com apoio maciço dos deputados, a Câmara aprovou na quarta-feira, em primeiro turno, o texto-base da reforma da previdência. Embora ainda possam acontecer mudanças ao longo da tramitação, é pouco provável que ocorra uma desidratação profunda.
Segundo estimativas da Instituição Fiscal Independente (IFI), a economia obtida com o texto aprovado é de R$ 714 bilhões em dez anos. Se for incluído o adicional de 5% na CSLL de instituições financeiras, esse montante se eleva em mais R$ 30 bilhões.
Existem duas interpretações possíveis no que diz respeito ao resultado fiscal da reforma. A perspectiva mais otimista é a de que, embora tenha havido uma redução significativa em relação à proposta original do governo (28% segundo a IFI), trata-se de uma economia expressiva. O estabelecimento de uma idade mínima para os trabalhadores do setor privado é uma mudança histórica, depois de inúmeras tentativas infrutíferas nas últimas duas décadas.
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Uma interpretação menos otimista é de que o desafio fiscal continua muito grande. Mesmo que não ocorra nenhuma desidratação adicional da proposta, a economia anual média corresponde a algo em torno de 1% do PIB ao ano, em um horizonte de dez anos. Considerando que a reversão da situação atual de déficit primário para um superávit que seja suficiente para estabilizar a relação dívida/PIB exigirá uma economia anual da ordem de 4% do PIB, ainda resta muito a ser feito.
A mudança com maior impacto fiscal em relação à proposta do governo foi a exclusão dos estados e municípios. Segundo estimativas do Ministério da Economia, a economia para os estados proporcionada pela reforma seria de cerca de R$ 350 bilhões em dez anos, refletindo tanto a queda das despesas como o aumento das receitas com contribuições.
Minha avaliação é de que essas duas visões não são necessariamente excludentes, e refletem a gravidade da situação fiscal em que o país se colocou. Apesar da perspectiva concreta de aprovação de uma reforma da previdência robusta, ela se revela insuficiente diante dos sucessivos déficits primários desde 2014 e o crescimento explosivo da dívida.
O que me parece mais importante não é o resultado fiscal em si, mas o fato de que questões centrais para o desenvolvimento do país estão sendo finalmente enfrentadas. Tanto a sociedade como o Congresso parecem estar percebendo que a superação da estagnação econômica vai exigir reformas bastante abrangentes.
No mês passado, o Senado aprovou uma importante reforma do marco legal do saneamento básico, e Rodrigo Maia já sinalizou que pretende colocar este tema em discussão na Câmara depois que for aprovada a reforma da previdência. Embora a versão aprovada no plenário do Senado tenha modificado alguns dispositivos importantes do relatório do Senador Tasso Jereissati, houve um avanço significativo em relação a um problema crônico que aflige grande parcela da população.
Esta semana, tanto a Câmara como o Senado avançaram na tramitação da reforma tributária. Os deputados, que já tinham aprovado na CCJ a PEC 45/2019, baseada na proposta do Centro de Cidadania Fiscal, instalaram a Comissão Especial que vai tratar da matéria. Já no Senado, foi protocolada uma PEC baseada na proposta do ex-deputado Luiz Carlos Hauly, em iniciativa do presidente Davi Alcolumbre e líderes de vários partidos.
As duas propostas têm elementos em comum, como a unificação de impostos federais, estaduais e municipais em um imposto de valor adicionado, a ser cobrado no destino, e repartido entre a União e os governos subnacionais. Também existem várias diferenças, como o número de impostos a serem unificados e o tempo de transição para o novo regime, dentre vários outros aspectos.
No segundo semestre, essa lista deverá ser acrescida da proposta do governo de unificação de impostos federais. A tramitação simultânea de várias propostas de reforma tributária não parece ser a forma mais eficiente de abordar tema tão complexo, mas não deixa de ser um sinal importante de disposição de resolver um problema que, assim como o desequilíbrio previdenciário e a baixa cobertura de saneamento, tem estado presente no debate há algumas décadas.
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Voltando ao tema da previdência, existem várias indicações de que a tramitação no Senado será relativamente rápida, e provavelmente restabelecerá a inclusão dos estados e municípios. Uma possibilidade seria adotar um procedimento similar ao utilizado na votação da PEC do orçamento impositivo, em que o texto aprovado nas duas Casas do Congresso foi levado à promulgação, e as mudanças feitas pela Câmara seguiram para o Senado.
No início de abril, ao comentar neste espaço a aprovação do orçamento impositivo, argumentei que, diferentemente da interpretação de vários analistas de que seria parte de uma estratégia de gerar pautas-bomba com o objetivo de forçar concessões por parte do governo, aquele tinha sido um primeiro passo na direção de um maior protagonismo por parte do Congresso na condução da agenda econômica.
Os meses seguintes confirmaram essa impressão inicial. Seria melhor se Congresso e Executivo atuassem de forma coordenada. Mas, na ausência de interesse e capacidade de articulação política por parte do governo, o protagonismo do Congresso pode ser algo positivo para a agenda de reformas.
Fonte: “Blog do IBRE”, 16/07/2019