Trata-se de uma pergunta clássica, feita por qualquer professor de introdução à teoria econômica logo nas primeiras aulas. O que é economia? As respostas, em geral, definem a economia (ou ciência econômica, se preferir) como o estudo do dinheiro. Oh, boy! Oh, boy. Valor, escassez, alocação de recursos… É um pouco mais complicado que isso. Para responder essa questão, vamos à enciclopédia. Melhor, vamos à Stanford Encyclopedia of Philosophy, seção de filosofia da economia!
Qual a origem da economia?
Quando estudamos filosofia da economia, a definição e o domínio específico da ciência econômica são motivos de controvérsia. Num primeiro momento, não temos grandes problemas. Afinal, a economia lida com os aspectos da produção, troca, distribuição e consumo de bens e serviços. Ainda assim, falta especificidade. Pode-se argumentar que a economia vai além, muito além. A pergunta “o que é economia?” pode ser respondida em termos de passado ou presente.
O passado da ciência econômica
A reflexão filosófica acerca do tema é antiga, mas a sua conceitualização enquanto objeto de estudo específico remete ao século XVIII. Antes disso, Aristóteles abordou alguns dos problemas tradicionais da economia, principalmente na gestão do domicílio. Além disso, os filósofos escolásticos abordaram o comportamento econômico numa perspectiva ética, por exemplo, condenando a usura (cobrança de juros). Conforme a importância do comércio e das nações-estado aumentou, surgiram os filósofos “mercantilistas”, cujas principais preocupações eram: grosso modo, a regulação monetária e a balança comercial. A partir disso, a gestão financeira do Estado (arrecadação e gasto) ganhou maior reconhecimento, dada sua influência sobre a produção de riqueza.
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A economia na era moderna
Já na era moderna, inúmeros pensadores refletiam sobre a origem da riqueza das nações. Eles passaram a notar que as colheitas anuais, a quantidade de bens manufaturados e os produtos da mineração e da pesca dependiam da natureza, do trabalho, do esforço individual, das ferramentas [“bens de capital”] e também da regulação social e estatal. O comércio, por sua vez, parecia vantajoso quando seus termos eram adequados. Sendo assim, reconhecer a possibilidade de melhoria (ganhos de produtividade, por exemplo) na manufatura e agricultura não exigiu grandes avanços conceituais. Tampouco foi demorado para que esses pensadores notassem: certos impostos e tarifas poderiam ser relativamente menos prejudiciais às atividades produtivas. No entanto, formular a ideia da existência da “economia” e seu funcionamento sistemático, passível de investigação, foi um avanço arrojado!
Para que esse objeto de estudo exista, é preciso que a produção e a troca apresentem regularidades identificáveis. Para que seja não-trivial, é preciso que tais regularidades estejam além do óbvio para os produtores, consumidores e demais envolvidos na troca. Somente no século XVIII — através dos trabalhos de Cantillon, dos fisiocratas, de David Hume e, notadamente, de Adam Smith — é difundida a seguinte ideia: existem leis que governam esse complexo conjunto de interações, responsáveis tanto pela produção e distribuição de bens de consumo, quanto pelos recursos e ferramentas que, por sua vez, os produzem. Em suma, a existência dessas regularidades é o que possibilita a investigação científica da economia.
Dessa forma, é imprescindível o discernimento das consequências não intencionais e resultantes de ações (intencionais) dos indivíduos. Um exemplo disso é a relação traçada por David Hume quanto ao aumento dos preços e o aumento temporário da atividade econômica, dado um aumento na quantidade de moeda. O ouro [moeda] adicional (advindo de nações estrangeiras) é despendido pelos indivíduos [atividade econômica], fazendo com que o nível de preços aumente de forma não deliberada. Ao realizar Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, Adam Smith elabora sobre a observação de Hume:
“[…] procura apenas seu próprio ganho, e nisto, como em muitos outros casos, é só levado por uma mão invisível a promover um fim que não era parte de sua intenção. E tampouco é sempre pior para a sociedade que não tivesse este fim. Seguindo seu próprio interesse, ele frequentemente promove o da sociedade mais efetivamente do que quando realmente pretende promovê-la.”
O que um economista estuda?
O domínio da economia pode ser separado das demais ciências sociais de duas formas:
I. Através da especificação de um determinado conjunto de fatores causais;
II. Através da especificação de um escopo de fenômenos;
Portanto, o economista estuda os fenômenos de produção, consumo, distribuição e troca, principalmente quando tais fenômenos acontecem através de mercados. No entanto, esses fenômenos envolvem diversos fatores causais (relações de causalidade importam!), por exemplo: a termodinâmica, a metalurgia, a geografia, as normas sociais ou até mesmo a biologia. Mesmo assim, tratar de causalidade (o “porquê” das coisas, digamos assim) não é o suficiente para diferenciar a economia dos demais campos do conhecimento. Para realmente diferenciá-la, alguns referenciais precisam ser adotados.
Os alicerces da teoria econômica
John Stuart Mill, um dos economistas clássicos, defendia que a economia [política] diz respeito aos fenômenos do estado social resultantes da busca pela riqueza. Ademais, nessa busca se abstrai toda paixão ou motivação humana, com exceção daquelas consideradas perpetuamente antagônicas a essa busca. Em outras palavras, a economia se limita à busca pela riqueza e seus obstáculos, por exemplo, a aversão ao trabalho ou a satisfação de indulgências excessivamente custosas.
Mill tomava como pressuposto que para perseguir a riqueza e evitar o esforço (físico, mental etc), o indivíduo age racionalmente. Em última instância, isso significa que o comportamento dos indivíduos é, em algum grau, sistemático, o que possibilita a sua investigação científica. Apesar desse referencial, a racionalidade que governaria o comportamento humano, Mill não apresenta uma teoria que explica o comportamento de consumo ou escolha, pouco avançando o conhecimento sobre esses tópicos.
Essas lacunas foram gradualmente sendo preenchidas. Foi durante a dita revolução marginalista ou neoclássica, que foram traçadas relações teóricas entre a escolha de um objeto de consumo (e seu preço) e a utilidade (marginal) desse mesmo objeto. O exemplo da água é uma boa ilustração dessa compreensão:
Embora a água (objeto de consumo) seja útil, sua disponibilidade é abundante a ponto do consumo adicional de um copo d’água fazer pouca ou nenhuma diferença para determinado agente (pessoa). Logo, a água é “barata” (preços baixos) por esse motivo.
Construindo sobre esse arcabouço, os precursores da economia “neoclássica” [tal como William Stanley Jevons] postulavam: os agentes escolhem o que consumir visando a maximização da própria felicidade. A implicação disso para uma pessoa seria distribuir gastos a ponto da unidade monetária (grosso modo, cada R$ 1) de um bem A, B ou C gerar o mesmo “ganho” felicidade, ou seja, a utilidade proveniente desse gasto seria equivalente para qualquer um dos bens em questão.
A economia contemporânea
Ao longo do século XX os economistas abandonaram o caráter “hedonista” (buscar prazer e evitar dor) da disciplina. Ao invés de pautarem a ordenação das escolhas mediante a promoção da felicidade, passaram a concentrar-se na ordenação em si. Portanto, pressupõe-se que os agentes são capazes de ordenar suas escolhas de forma consistente. Isso seria o equivalente a dizer que:
I. As ordenações [preferências] são completas. Ou seja, para quaisquer alternativas X e Y consideradas pelo agente, ele prefere X em comparação a Y ou Y em comparação a X, ou ainda, é indiferente (rejeita ambas as alternativas).
II. As preferências são transitivas. Isso é, ao afirmar que um agente prefere X em comparação a Y e Y em comparação a Z, implica preferência de X em comparação a Z.
Afirmações similares podem ser aplicadas quando se trata de indiferença ou combinação de indiferença e preferência. Embora a ciência econômica tenha avançado tecnicamente, sendo capaz de contemplar infinitos conjuntos de alternativas e diversas condições plausíveis de racionalidade, os economistas geralmente aceitam a visão dos agentes racionais. Esses agentes exercem (ao menos) preferências completas, transitivas e escolhem, dentre alternativas factíveis, aquilo que os mais favorecem. Através da teoria da preferência revelada, os economistas tentaram, sem sucesso, eliminar toda referência à preferência subjetiva ou defini-la exclusivamente em termos de escolhas. Algum grau de subjetividade ainda pertence à teoria econômica.
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Dado o pressuposto da racionalidade que caracteriza os agentes econômicos, os economistas continuaram distinguindo a economia dos demais tipos de investigação social justamente em razão dos motivos ou preferências pelos quais a área se preocupa. Mesmo que as pessoas busquem a felicidade através do ascetismo (autocontrole) ou prefiram, racionalmente, sacrificar todos bens mundanos por uma causa política, tais preferências são consideradas raras e não importantes. Em suma, eles estão preocupados com fenômenos derivados da racionalidade associada ao desejo pela riqueza e por conjuntos de bens e serviços.
Por outro lado, alguns economistas flertaram com caracterizações menos substantivas da motivação individual e com uma visão mais ampla do escopo da disciplina. Lionel Robbins, por exemplo, definiu a economia como a ciência que estuda o comportamento humano enquanto relação entre fins e meios escassos e diante de alternativas de escolha. Isso significa que a economia não mais estaria preocupada com a produção, troca, distribuição ou consumo. Nessa perspectiva, a economia trata de um determinado aspecto de toda ação humana. Isso permite para a compreensão dos esforços em prol da aplicação de conceitos, modelos e técnicas nos mais diversos assuntos como, por exemplo, o comportamento do eleitor e a elaboração de leis, sem perder a conexão ao seu domínio original.
Na próxima vez que você ouvir a pergunta “o que é economia?”, lembre-se deste artigo. That’s because you’re in for a tough ride, baby. Remember, there’s no free lunch!
Fonte: “Terraço Econômico”, 25/09/2019