Esta semana o Senado aprovou em dois turnos a PEC 34/2019, que se tornou conhecida como a PEC do orçamento impositivo. Como foram feitas modificações na proposta aprovada na Câmara semana passada, a Proposta de Emenda Constitucional será novamente apreciada pelos deputados.
A rapidez com que a PEC foi aprovada nas duas Casas do Congresso não permitiu que as mudanças propostas fossem devidamente analisadas. Cabe, portanto, alguma reflexão sobre suas implicações e motivações.
Desde 2015, as emendas individuais já são impositivas, até o limite de 1,2% da receita corrente líquida (RCL) da União. As emendas de bancada tornaram-se impositivas em 2016, por determinação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), com montante correspondente a 0,6% da RCL.
A PEC 34/2019 faz duas modificações em relação à execução de emendas de bancada. Primeiro, a proposição insere seu caráter impositivo na Constituição em vez da LDO. Além disso, aumenta o limite de gastos para 1% da RCL. Enquanto a versão aprovada na Câmara fazia essa elevação de forma imediata, o Senado aprovou uma mudança gradual, em que os gastos sobem para 0,8% da RCL em 2020 e 1% em 2021. A partir de 2022, seriam corrigidos pela variação do IPCA.
Segundo a Instituição Fiscal Independente, o aumento dos gastos com as emendas impositivas de bancada eleva a rigidez orçamentária, e seu impacto estimado seria de cerca de R$ 7,3 bilhões entre 2020 e 2022, o que aumentaria o risco de descumprimento do teto de gastos ou de paralisação da máquina pública já em 2020. Nesse sentido, a aprovação no Senado de um aumento gradual das despesas com as emendas de bancada reduz o risco de descumprimento do teto de gastos no curto prazo.
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No entanto, a principal mudança introduzida pela PEC aprovada na Câmara ficou inalterada no Senado. Ela consiste em um dispositivo que torna impositivas todas as despesas consideradas finalísticas, ou seja, aquelas relacionadas à entrega de bens e serviços à sociedade. Apenas as despesas discricionárias relacionadas ao custeio administrativo não seriam impositivas.
Segundo a Nota Técnica no. 1/2019 da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, a aprovação desse dispositivo aumentaria o grau de rigidez do orçamento em um montante de cerca de R$ 73 bilhões em 2020, correspondendo a 4,9% das despesas primárias da União. O total de despesas que não teriam caráter impositivo seria de apenas R$ 44,5 bilhões, o que equivale a 3% do total de despesas. Em outras palavras, o grau de rigidez subiria de cerca de 92% para 97%.
Essa elevação da rigidez do orçamento é muito superior à que decorreria caso fossem tornadas impositivas apenas as emendas de bancada, que aumentariam de 0,32% para 0,57% das despesas primárias.
Alguns consultores do Congresso consideram que o impacto dessa mudança se aplicaria não somente à União, mas também aos estados e municípios. Embora existam controvérsias em relação a esses pontos da PEC (caráter impositivo das despesas finalísticas e aplicação para todos os entes federativos), o risco de judicialização é grande. Isso foi reconhecido pelo próprio relator da PEC no Senado, Senador Esperidião Amin, quando admitiu que “será uma boa celeuma”.
Quanto às motivações para a aprovação tão rápida de uma PEC que se encontrava parada na Câmara desde 2015, elas parecem mais complexas do que simplesmente uma agenda de pautas-bomba com o objetivo de forçar concessões por parte do governo.
A larga margem de aprovação nas duas Casas do Congresso deixa claro que tanto parlamentares ligados ao governo como aqueles da oposição votaram a favor da PEC. Embora por razões diversas, isso reflete um interesse em reduzir a dependência dos parlamentares em relação ao Executivo.
No caso dos congressistas ligados ao governo, o objetivo é fortalecer o discurso de “Nova Política” e fim do toma-lá-dá-cá envolvido na negociação de emendas. Para os demais parlamentares, os choques com Bolsonaro nas últimas semanas parecem tê-los convencido da necessidade de estabelecerem uma agenda legislativa autônoma em relação ao Executivo.
Além do orçamento impositivo, outra evidência desse protagonismo almejado pelo Congresso é a notícia veiculada na imprensa de que a reforma tributária vai começar a ser debatida na Câmara, antes mesmo que o governo tenha apresentado sua proposta.
Anda não está claro quais serão as implicações dessa nova postura do Congresso no que diz respeito à tramitação das reformas. No caso da Previdência, pode ser algo positivo, como indica a criação no Senado de uma Comissão Especial que vai acompanhar a tramitação da PEC 6/2019 na Câmara, com relatoria do Senador Tasso Jereissati.
A única certeza é que a falta de interesse e capacidade de articulação política por parte do Governo Bolsonaro gerou uma reação do Legislativo, que provavelmente vai mudar os termos de sua interlocução com o Executivo de forma duradoura.
Fonte: “Blog do Ibre”, 08/04/2019