O ataque a instalações petrolíferas na Arábia Saudita, que destruiu pelo menos 5% da capacidade mundial de produção e levou à disparada no preço do petróleo, levantou novamente o fantasma de uma guerra entre os Estados Unidos e o Irã. Qual o risco?
Tanto americanos quanto sauditas atribuem o ataque com drones ao regime iraniano. Afirmam que os mísseis e drones que bombardearam os campos de extração em Khurais e a rede de processamento em Abqaiq (responsável por 7% do petróleo global, ou 7 milhões de barris por dia) vieram do Norte. Provavelmente do Irã ou de milícias ligadas aos iranianos no Iraque, de onde já haviam partido outros ataques a instalações sauditas em maio.
Os iranianos negam qualquer tipo de envolvimento no ataque. Os rebeldes Houthis, xiitas financiados por Teerã que lutam pela separação de seu território no Iêmen, ao Sul, assumiram o ataque. Não há, contudo, provas de que disponham da sofisticação tecnológica necessária para um ataque com drones, embora tenham adquirido maior poder de fogo ao longo do último ano.
O ataque foi uma provocação, num momento em que um esforço diplomático francês tentava promover um encontro entre os presidentes Donald Trump e Hassan Rouhani durante a abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York no fim do mês. Quase um ano e meio depois de abandonar o acordo nuclear com o Irã, Trump se mostrara simpático à ideia em agosto na reunião do G-7, em Biarritz. Rouhani descartou a possibilidade.
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Outro fator que favorecia a reaproximação com o Irã foi o afastamento de John Bolton do cargo de conselheiro de Segurança Nacional. Bolton sempre foi um falcão na política externa, contrário a qualquer tipo de concessão aos iranianos e favorável à intervenção militar para derrubar o regime dos aiatolás. Eram frequentes as divergências dele com Trump e com o secretário de Estado, Mike Pompeo, transformado agora em artífice inconteste da política externa americana.
Em junho, quando o Irã derrubou no Golfo Pérsico um drone americano que acusara de ter invadido seu território e foi acusado de incendiar petroleiros britânicos, houve especulação sobre um ataque americano, com envio de porta-aviões e reforços à região. No final, prevaleceram os instintos isolacionistas de Trump.
Desta vez, contudo, o impacto da destruição da infraestrutura saudita é bem maior. Levará semanas até a recuperação plena da capacidade de produção (um terço, dizem os sauditas, já estará de volta à operação na próxima segunda-feira). A disparada do petróleo reflete uma realidade incômoda: o mundo não tem fontes à disposição para suprir a lacuna no curto prazo. O governo americano tomou a decisão incomum de autorizar o recurso às reservas estratégicas que mantém armazenadas, usadas em geral apenas em guerras.
Dois fatores pesam contra a possibilidade de um conflito aberto na região. O primeiro são os mesmos instintos isolacionistas de Trump. Todo esforço de seu governo se dá na direção contrária às intervenções militares. Trump parece preferir cortejar ditadores como o norte-coreano Kim Jong-Un em negociações com pouca chance de resultado concreto a enviar americanos a batalhas do outro lado do planeta.
Sua intenção mais recente é trazer de volta todos os soldados americanos que ainda estão no Afeganistão, em conflito com os talibãs. O evento que precipitou a queda de Bolton foi uma reunião secreta com líderes do movimento Talibã – considerado oficialmente uma organização terrorista –, marcada para Camp David, mas cancelada depois que a informação vazou para a imprensa (Trump atribuiu a Bolton a responsabilidade pelo vazamento).
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O segundo fator é a própria estratégia iraniana. “Os objetivos do Irã são manter o domínio na escalada, criar alavancagem para negociação e transmitir uma ideia de força e desafio”, diz o analista John Raine em texto para o Instituto Internacional para Estudos Estratégicos (IISS). “Se puder aumentar o custo para americanos e europeus de continuar a estratégia de pressão, fará isso.”
As sanções postas em prática há um ano cobram um preço altíssimo da economia iraniana. os iranianos não dispõem de recursos para arcar com o custo de uma guerra real. Mas têm todo interesse em manter a ameaça, situação que Raine chama de “limiar da guerra”. Tomar posse de ativos como os petroleiros ou causar danos à infra-estrutura saudita tem um objetivo claro: mostrar a todos o valor do petróleo iraniano, caso pudesse ser vendido livremente no mercado internacional.
Há uma divisão interna no regime iraniano, entre a linha-dura, ligada à Guarda Revolucionária, e os moderados, ligados ao chanceler Javad Zarif e a Rouhani. Tudo dependerá do aiatolá Ali Khamenei, líder de fato do país, e da reação de Trump. O cenário mais provável não é nem a guerra, nem um novo acordo – mas a tensão progressiva no “limiar da guerra”.
Fonte: “G1”