O Senado aprovou, por unanimidade, em apenas 30 minutos, proposta de emenda constitucional que aumenta o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) em um ponto percentual. O FPM passará, assim, de 24,5% para 25,5% da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A emenda passará facilmente na Câmara.
Não há notícia de uma decisão tão rápida nessa matéria, o que mostra o risco a que estamos submetidos. Emendas constitucionais exigem rito lento e cuidadoso. Daí a exigência de três quintos dos votos de cada Casa do Congresso e dois turnos espaçados de votação. Um acordo permitiu a votação a jato. Não se pode mudar a Constituição a toque de caixa. É de arrepiar.
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Além disso, a medida é uma continuidade da marcha da insensatez fiscal iniciada em 1975, no governo Geisel. O FPM era formado por 5% do IR e do IPI. Em 1979, já era de 10%; em 1983, 14%; em 1985, 17%; em 1988, 23%. E continuou subindo. É difícil saber onde vai parar. Existe proposta de aumentar mais dois pontos de percentagem.
Essas transferências serviram, na quase totalidade, para elevar gastos de pessoal. Estimularam, por outro lado, a multiplicação de municípios sem base econômica para arrecadar tributos. O objetivo foi quase sempre o de receber transferências do FPM.
Somados, o FPM e o Fundo de Participação dos Estados (FPE) alcançarão 50% da receita daqueles tributos. Os estados levam mais 10% do IPI para compensar supostas perdas com exportações. Além do desperdício, os repasses reduziram o interesse do governo federal em recorrer ao IR e ao IPI quando torna-se inevitável elevar a carga tributária.
De fato, para arrecadar o mesmo valor, será preciso mais do que dobrar a arrecadação do IR e do IPI, pois mais da metade é automaticamente transferida a estados e municípios. Por isso, desde 1988, a União passou a recorrer sistematicamente a contribuições, de menor qualidade, mas não partilháveis. O Tesouro fica com 100% do que arrecadar. Essa é uma das principais razões da drástica piora do sistema tributário.
Os senadores justificaram a insensatez alegando a “situação de fragilidade fiscal em que se encontram as prefeituras e a importância do rateio do FPM sobre a economia municipal, principalmente das cidades de menor porte, mais dependentes dos repasses”. Acompanhei de perto essa marcha da insensatez. A ladainha foi sempre a mesma. É como se dinheiro nascesse em árvore e o Tesouro não sofresse também os efeitos da recessão.
A emenda subtrairá anualmente R$ 5,6 bilhões da União a partir de 2021. A sangria, gradual, começará ainda em 2019. O engessamento orçamentário do Tesouro ficará um pouco pior. A ineficiência do gasto público viverá mais um preocupante capítulo.
Dada a rigidez orçamentária, a União aumentará tributos ou penalizará dotações cruciais em áreas como ciência, tecnologia, saneamento e outras funções típicas do governo federal. Mais uma vez, o Tesouro será acusado de insensibilidade. Fazer o quê?
Fonte: “Veja”, 07/12/2017
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