Em “Os Partidos Políticos” (1951), Maurice Duverger apresentou a análise pioneira do voto estratégico ou sofisticado, que no léxico político brasileiro passou a ser conhecido como voto útil. Sua principal preocupação era examinar o efeito das regras eleitorais sobre os sistemas partidários.
A chave analítica foi a distinção entre o que chamou efeito mecânico das regras eleitorais e seu efeito psicológico.
Duverger introduzia na análise os incentivos que as regras eleitorais criam para os eleitores. Em sistemas majoritários de distrito uninominal (“voto distrital”), só partidos que agreguem as primeiras preferências dos eleitores adquirem representação. Este efeito mecânico se expressa na sub-representação de partidos minoritários. Contudo, ele é antecipado pelos eleitores que têm incentivos a votar estrategicamente de forma a obter um resultado mais próximo de suas preferências.
O efeito conjunto de ambos os mecanismos produz uma redução do número de partidos, levando ao bipartidarismo. Sob a representação proporcional (RP), o efeito é distinto: os eleitores têm incentivos ao chamado voto sincero na medida em que partidos não-majoritários adquirem representação e podem participar de coalizões governativas.
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Em sistemas em que há segundo turno (independente de adotar-se a regra majoritária ou RP), a estrutura de incentivos muda: o chamado efeito psicológico será tanto maior quanto maior o número de partidos e dependerá do tipo de coalizão, se pré-eleitoral ou pós-eleitoral.
A seara aberta por Duverger levou a um programa vastíssimo de pesquisas com enorme grau de sofisticação formal.
Pesquisas experimentais mostram que a capacidade preditiva da hipótese duvergeriana é amplamente demonstrada em sistemas de único turno, mas menos robusta sob regras de dois turnos. O esforço mais rigoroso já realizado para avaliar o voto sofisticado estimou sua proporção em democracias avançadas em um quarto do eleitorado.
+ J.R. Guzzo: De zero para zero
O voto sofisticado será tanto maior quanto mais competitivas as eleições. O que nos deveria servir de alerta no Brasil, todavia, é o que Gary Cox (Stanford University) chamou de falhas de coordenação. Ela será tanto maior quanto maior a incerteza sobre as chances dos contendores. E ela é muito elevada quanto a Alckmin, Marina e Ciro, e à transferência de votos para Haddad.
As elites partidárias falharam em coordenar em torno de uma única candidatura, nada assegura que com os eleitores será diferente. Neste contexto, há fortes incentivos para os institutos de pesquisa e não apenas o eleitorado atuarem estrategicamente. Eles serão decisivos para o equilíbrio final do jogo eleitoral.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 03/09/2018