Com a escolha para presidente se afunilando, aumentam as perguntas sobre o que fazer com o brutal desequilíbrio fiscal que se agravou fortemente nos últimos anos e é reconhecidamente o problema econômico número um do País. Todo mundo sabe que ele existe, mas sobram propostas genéricas e ineficazes, e nem bem o vencedor do pleito acorde da curta lua de mel política que terá, o mundo todo desabará sobre sua cabeça cobrando uma solução. Seja ele de que partido for.
O que ninguém sabe direito é que, passados 30 anos da atual Constituição, duas constatações chocantes e cruciais podem ser feitas nas contas da União, ao comparar 2017 com 1987. A primeira é que hoje se gastam R$ 364 bilhões a mais por ano em assistência social e R$ 156 bilhões a menos em investimento, praticamente zerando este. Ou seja, com a redemocratização, trocou-se investimento por assistência – e algo mais. Assim, entre outras coisas, quase todo mundo tem alguma renda, por menor que seja, mas a infraestrutura está em frangalhos, com tudo de ruim que isso implica: serviços precaríssimos em transporte urbano, saneamento, etc. Paga-se um altíssimo custo de transporte, impedindo que a economia cresça mais. Parte da tarefa poderia ser transferida para o setor privado, mas os governos, em vez de prestigiá-lo, agem seguidamente como se fosse o vilão da história.
Em destaque neste “algo mais”, a despesa com a previdência dos servidores explodiu. Pegando um período mais curto (2006 a 2017) e descontada a inflação, a previdência pública estadual gastou 93% a mais e a federal, 46%. Enquanto isso, o PIB real crescia só 24%. Ou seja, os servidores sabem que uma hora os pagamentos do seu regime de aposentadoria deixarão de ser feitos.
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Os governos têm errado sistematicamente ao privilegiar uma reforma das regras do regime geral (INSS), com a promessa de melhorias gerais no País, elo este que quase ninguém entende. Em adição, é exatamente onde os milhões de renda mais baixa se localizam. Soa como uma política Robin Hood às avessas: tira dos pobres e dá aos ricos.
Antes de pensar em mexer na assistência social, algo explosivo politicamente, só há uma saída para o novo governo: reorganizar a previdência dos servidores criando fundos de pensão na União, nos Estados e nos municípios de maior porte, que equacionem os respectivos passivos atuariais, a exemplo do que já se fez com as grandes estatais federais, conforme, inclusive, previsto no artigo 40 da Constituição. De forma muito sucinta, isso implica combinar a destinação obrigatória à previdência de determinadas receitas decorrentes da gestão e venda de ativos e recebíveis com mudanças de regras e aumento de contribuições individuais que viriam não como medidas isoladas, mas no bojo de uma reorganização capaz de salvar o falido regime atual.
Olhando agora para os cálculos dos déficits anuais dos regimes previdenciários do País, em que se deduzem dos gastos acima referidos as contribuições de empregados e patrões, são chocantes o nível elevado do déficit dos servidores (R$ 173 bilhões, metade para a União e metade para os Estados) e a diferença entre ele e o do INSS. Se deduzirmos as contribuições que entrariam nos cofres do INSS sem a maior recessão de nossa história, encontraríamos uma insuficiência financeira de R$ 94 bilhões, algo bem menor.
Assim, o equacionamento aqui defendido provocará, no limite, a abertura de um espaço total nos orçamentos públicos de R$ 173 bilhões, cuja destinação deveria ser concentrada em infraestrutura, por meio de uma emenda constitucional que vinculasse quantia equivalente à redução progressiva desses déficits. Desta forma se faria justiça ao item do orçamento que foi o grande perdedor com a redemocratização. Para quem não se lembra, até 1988 havia os “impostos únicos”, totalmente vinculados à infraestrutura, que foram extintos pela nova Carta e tiveram sua base de incidência transferida para impostos gerais.
Fonte: “Estadão”, 11/10/2018